Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Arte
 
 
“A Terra é azul”
Iuri Gagarin (1934 – 1968)

 
Estamos todos cercados por sons, cores, cheiros, sabores e formas e vivemos no azul, como observou Iuri Gagarin, em 12 de abril de 1961, a bordo da nave Vostok 1, na qual deu uma volta completa em órbita ao redor deste nosso planeta.
Nós surgimos dentro desse cenário dos cantos refinados do uirapuru, do curió, do sabiá, dos perfumes das rosas, das baunilhas e das laranjeiras, do vistoso voo do beija-flor, do carcará, da garbosa plumagem dos papagaios e das araras, em meio a serras e despenhadeiros, planícies e planaltos, longos rios piscosos com suas corredeiras e quedas d’águas.
Habitamos neste mundo. Ele é nossa morada e nossa inspiração. Estamos ainda aprendendo a viver nele. Sabem isso melhor que nós as outras espécies de animais que usam os bens naturais e os conservam, perenizando-os.
Muitos de nós acolhemos com amabilidade a face delicada desse mundo que nos tomou como berço: os poetas, os romancistas, os pintores, os cantores, os dançarinos... Neles há uma sensibilidade maior, singular, original e independente, pois auscultam com mais eficiência o que eles veem em torno, como se a energia multicolorida do universo de sons, cores, cheiros, sabores e formas lhes iluminasse melhor a alma.
Esse belo do mundo natural, que cala na alma do homem, estimula a astúcia que transforma indivíduos comuns em artistas, seres dotados de capacidade de harmonizar cores dispersas, sons aleatórios, sabores contrapostos, formas indefinidas. Nesse exercício, o artista como que recria a criação divina nesse toque de experiência que as imposições da vida condicionam a todos nós.
A arte é esse poder que possuímos em criar o belo. Ela é uma descoberta de feições ocultas nos meandros dos fractais, aquelas imagens infinitamente multiplicadas no espaço que a alma do artista recolhe e nelas se aninha. Nessa vida em comum, o artista cria a arte e é por ela criado, numa interdependência assim traduzida por Émile Zola (1840 – 1902): “Uma obra de arte é um canto da criação visto através de um temperamento”.
Se, para além de nossas dores, conseguimos nos encantar com sons, cores, cheiros, sabores e formas, estamos nos aproximando do limiar da glória da alma, ao vivermos o aprendizado estético, a experiência da contemplação. Com esta experiência, nos libertamos da frieza do juízo teórico e da moderação do juízo moral, conduzindo-nos à paixão, a níveis que nos levam a perceber as proporções harmoniosas do requinte. E, nesse envolvimento, nossa emoção liberta nosso olhar para apreender um mundo novo que faz o bem e o belo se tornarem atingíveis, mistério que foi percebido por nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), na genialidade de seu poema A Dança e a Alma:

 
A dança? Não é movimento,
súbito gesto musical.
É concentração, num momento,
da humana graça natural.
[...]
Onde a alma possa descrever
suas mais divinas parábolas
sem fugir à forma do ser,
por sobre o mistério das fábulas.
 
Na arte, o mundo restrito já não nos aprisiona, porque a face endurecida desse mundo, sem leveza, é dissolvida em sons, cores, cheiros, sabores e formas, libertando-nos para construir espaços, tempos e modos alegres de viver.
Extrair essa beleza, que nos faz viver em júbilo, demanda apreender mundos e, para isso, nós nos utilizamos da estética, este artifício que nos faz perceber a natureza do belo, os fundamentos da arte e nos envolve na dinâmica social que nos permite conceber distinções em nossas escolhas, fortalecendo nossa humanidade.
Envolvidos na áurea intuitiva da criação artística, cativados por seu poder de revelar sensibilidades inesperadas, somos estimulados a olhar o mundo com os olhos do artista e, sob essa luz peculiar, reparamos a doce face da Terra azul onde habitamos e nos deleitamos para melhor cumprir nosso papel dentro da sociedade.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 24/07/2018
Alterado em 01/08/2018
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