Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


O Afeto
 
Nós vivemos porque convivemos.
Nossa força de existir vem desse ato de nos unir sabendo quem somos, reconhecendo o que criamos e valorizando as coisas que produzimos.
As outras espécies vivas também fazem isso. Cada espécie inventa seu habitat, seu sentido de pertencer, enraizar-se e de defender com entusiasmo o território e o grupo.
Somos semelhantes em tudo com os demais animais. Nossa diferença começa acontecer quando passamos a utilizar modos racionais de relacionamento,  formas pensadas de reconhecimento do outro como sujeito de direito. Ainda estamos aprendendo isso, apesar de tantos séculos transcorridos de troca de experiências, de registros históricos de nossas ações e da ampla reflexão sobre caminhos abertos para a boa convivência, em forma de pensamento religioso, filosófico e científico.
Dentro desse universo de cogitação na busca do caminho de bem conviver, o afeto surge como uma paixão da alma que possibilita o comedimento capaz de conduzir o homem ao equilíbrio nas decisões e de adequar-se para levar concórdia à sociedade.
O afeto, assim, é uma característica constituinte do indivíduo, uma substância, uma pulsão originária da vida que nos leva a expandir nossa potência de agir, um estado da alma que faz diminuir ou aumentar a nossa vontade de viver. Nestes termos, afeto significa mais do que amizade, amor, apego, ternura. Ele expressa a força de sua origem advinda do termo afetar-se, ou seja, o afeto é aquilo que resulta de nossa interação com o entorno, é o resultado do que nos marca em forma  de reação de sentimentos ao vibrar com o tempo presente dos homens vivendo em sociedade.
Esse é mesmo o lugar do afeto, ele está dentro do universo social em que vivemos e convivemos. Esse reconhecimento da dimensão intelectual do afeto  não o separa daquilo que se conhece, o universo social. Na medida em que ampliamos o domínio de nosso saber sobre os diferentes aspectos do mundo, as possibilidades do afeto se expandem.  Passamos a interagir mais com nosso mundo social, resistindo a dogmas e intolerâncias, fontes perturbadoras da realização de desejos voltados ao aperfeiçoamento cada vez maior de nossa humanidade.
O conhecimento resultante desse filtro de afeto, libertador de desejos, nos coloca dentro de uma espiral de realizações em nosso espaço-tempo. Nessa relação com o mundo, somos afetados por suas eventualidades, refletimos e agimos na direção do encontro de procedimentos  capazes de possibilitar uma vida mais feliz. Esse conhecimento libertado pelo afeto é ativo e reativo ao impedir que fiquemos na simples contemplação das revelações desse conhecimento. Não se trata nunca de conhecer por conhecer, trata-se de conhecer para ser afetado, para se ligar com as inquietações  exteriores nesse mar de intenções que é o corpo social criando, consumindo, granjeando, locupletando-se.
É nesse sentido que o conhecimento se torna o mais potente dos afetos como distinguiu o filósofo Baruch Spinoza (1632-1677): [...] o desejo de saber [...] o desejo de viver feliz, de viver e agir bem, é a própria essência do homem, é o esforço pelo qual cada um procura conservar o seu ser [...].
 A vida toda de todos nós resulta dessa convivência de relação com o outro e com as coisas e é aí que desenvolvemos nossa sensibilidade afetiva, tornando-a mais forte, flexível, menos propensa a cair nas solicitações do meio exterior, nos problemas que o mundo nos impõe. Foi nesse gesto que  o afeto, esta nossa aptidão de interagir com todo o ambiente,  passou a receber a conotação de amizade, amor, apego, ternura. Estamos pensando no gesto em que os princípios do desejo de saber, de viver feliz e agir bem fundamentam nossas decisões de fazer ou deixar de fazer.
Com isso, colorimos nosso modo de ser e agir, transformando o afeto em luz que um dia se instalou em nossas experiências históricas como caminhos sedutores:

 
º  Amai-vos uns aos outros como eu vos amei – João 15,12.
º  Sê como o sândalo que perfuma o machado que o fere – Buda.
º Liberdade, igualdade, fraternidade  - Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão – Revolução Francesa – 1789.
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 26/07/2018
Alterado em 01/08/2018
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