Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


A Moderação
 
A vida em sociedade é um sistema de relações.
Cada pessoa se relaciona com outras através de formas organizadas e reconhecidas como nação, estado, seita, religião, família, clube, trabalho entre outras formas.
Para esse sistema funcionar, os grupos humanos criam regras que orientam as ações individuais e coletivas.
Essas relações estão em permanente alteração em face da dinâmica da sociedade que, instante a instante, inventa novo cotidiano, novas maneiras de agir, reorganizando, atualizando o que já está estabelecido. Nessas modificações, na forma sinuosa como acontece a caminhada dos homens em sociedade, há avanços e retrocessos, há modos pacíficos e violentos de transformações.
Nesse processo surgem os valores e significados que precisam ser compreendidos, além das questões morais, modos de agir classificados como bons ou inaceitáveis e estabelecidos conforme padrões culturais de determinado tempo e espaço.
Todas essas demandas ganham um colorido especial na sociedade contemporânea e são marcadas pela criação de forte desigualdade econômica provocada pelo capitalismo selvagem dominante, gerando o desequilibrado acesso aos recursos conquistados pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia atuais. Para perceber isso é bastante visitar os hospitais e escolas públicas, basta olhar a inadequação dos níveis de segurança e os transtornos dos direitos individuais. O cenário é de tristeza.
Esses níveis de relação expressos nas situações de pobreza e forte desigualdade destroem a dignidade das pessoas e dão causa a insustentabilidade de uma inter-relação racional, tornando difícil o convívio do homem moderno, instituindo a desordem íntima do medo do outro.
E em razão desse clima de insegurança, pode-se afirmar que estamos vivendo uma espécie de conflito social. A letra da poesia de Marcos Fernandes de Omena (São Paulo, 1973), mais conhecido como Dexter, cantor brasileiro de RAP, intitulada Salve-se Quem Puder, traça um cenário dessa confusão social:
 
Salve-se quem puder, se puder / Seja lá quem for, homem ou mulher / O mundão ta louco, se afundando aos poucos / Futuro obscuro, vivemos no sufoco / Pai que mata filho, filho mata pai / Quem vai interferir, diz pra mim, quem que vai? / Desacreditar, nem pensar, só naquela / Moleque é morto a tiros na favela / Sequela de uma vida sofrida / Vivida na miséria, sem perspectiva / Crianças fumando craque, perdendo tempo / Nas ruas da cidade, andando ao relento / Eu lamento e tento entender o porquê / Não querem viver, preferem morrer / Se matar, será que é a solução? [...].
 
Estamos num impasse. Chegamos numa encruzilhada e a dúvida se estabeleceu: que caminho tomar? Essa dúvida não é só de alguns, o poeta maior, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), esboçou essa intranquilidade através de seu genial poema José:

“E agora, José? / A festa acabou, a luz apagou, / o povo sumiu, a noite esfriou, / e agora, José? / e agora, você? / você que é sem nome, / que zomba dos outros, você que faz versos, / que ama, protesta?/ e agora, José?[...]”.

Uma resposta a essas dúvidas parece ser a moderação.
Ser moderado significa estar dentro do modus (termo latino) – isto é, dentro dos limites e das medidas. Mais ainda, é manter o equilíbrio, a prudência. Reconhecer a existência de padrões e levá-los em conta.
Modus lembra a obsessão latina por limites e remete à lenda da fundação de Roma: Rômulo traça uma linha de fronteira e mata seu irmão por ele não a respeitar. "[...] se as fronteiras não são reconhecidas, então não pode haver civitas", conforme explica o filósofo italiano Umberto Eco (1932), em seu texto Interpretação e Superinterpretação.
O termo civitas (civilidade) remete a ideia da observância às formalidades ou convenções entre os membros bem-educados de uma coletividade, ou, numa forma mais erudita, como consta do Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano: “[...] civilidade é o poder do arsenal de que uma cultura dispõe para a sua própria conservação e o seu progresso.”
A moderação é uma espécie de olhar concentrado, de atenção voltada para detalhes que funcionam como tábua de salvação, aquele meio capaz de nos oferecer certo equilíbrio dentro do intenso movimento a que a vida foi lançada.
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 27/07/2018
Alterado em 01/08/2018
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