Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Narrativa Do Tempo Humano
 
 
A História trata das coisas que sucederam.
Ela se envolve com o passado das realizações do homem.
Essas realizações se referem à busca da satisfação das necessidades físicas e sociais dos indivíduos e grupos, além de criar a perspectiva de cada um e da sociedade por inteiro, estabelecendo rumos, alimentando esperanças, inventando utopias. A História aborda esses temas.
Um mundo de possibilidades e de impedimentos aconteceu no passado, como está ocorrendo no presente. É o homem em ação, inventando práticas e gestos a favor de sua sobrevivência, num movimento em que nós nos constituímos em origem e alvo do exercício de viver, como diria Karl Kraus (1874-1936) em suas Palavras em Verso.
Somos, assim, um passado que se objetiva no presente e aspira uma permanência, num desejo de viver melhor a cada dia e nisso toma como dever o comprometimento de se tornar sujeito ativo, fazendo-nos lembrar de que [...] O homem é pai das suas obras e, ao mesmo tempo, é filho delas [...], como bem expressou o Professor Régis de Moraes (1940).
Sendo quem somos, criador e criatura de nós mesmos no plano social, nos realizamos a partir de formas, usos e costumes e aí nos diferenciamos ou nos igualamos e, por isso mesmo, somos passíveis de ser compreendidos pelo que fizemos enquanto ser cultural que somos, na revelação astuta de historiadores.
Nesse encontro do desejo de fazer e da ação de fazer, o mesmo homem que faz é o mesmo homem que sonha. O real e a fantasia, mais do que testemunhos da sociedade, trazem em si significados da razão que estimula o sujeito a agir. Nesse agir, aparecem sentimentos que liberam as nossas inventividades, legítimo material utilizado pela investigação da História e da observação criteriosa da Literatura.
Foi por esse princípio que o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) nos premiou com a seguinte joia teórica:

Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser postas em verso as obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser de história, se fosse em verso o que eram em prosa) – diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder.

A Literatura ao tratar das coisas que poderiam suceder cai no campo das possibilidades, ali onde ganha força o que poderia ou deveria ser, ressonância de acontecimentos possíveis, laborados em lutas e sacrifícios, espaços-tempos de decepções e glórias. Essas exterioridades, que a imaginação do literato transforma em interioridades da obra, fundem texto e contexto de forma indissolúvel, compondo um conjunto em que cada coisa vive e atua uma em razão da outra, o que cria a feição de realidade objetiva traduzida pela Literatura. A Literatura, assim, na força do estilo de cada escritor, [...] Fala de coisas feitas pelo homem – e, por isso, é passível de reconhecimento [...] (Giambattista Vico 1668-1744).
História e Literatura, representação do que sucedeu e do que poderia suceder, oferecem dois acessos, independentes um do outro, à realidade vivida pelo homem. Exemplo.
Fazendo História, o Professor Gustavo Falcón (1952), em seu texto Os Coronéis do Cacau registra:

Na medida em que o município se desenvolvia e Ilhéus deixava cada vez mais para trás sua condição de Vila, as elites passaram a buscar reconhecimento social.

Na Literatura, Jorge Amado (1912-2001), em Terras do Sem Fim, traduzindo essa ascensão social dos proprietários de fazendas, escreve:
Já então os Badarós eram uma potência diante da qual a lei e a religião se inclinavam.
Esses dois modos de falar do tempo e do espaço só enriquecem a alma do leitor.
Essa união da realidade e da imaginação, cada uma constituindo ordem de valores diferenciados, indica que o homem não vive apenas agarrado no mundo concreto revelado pela narrativa de uma História. O homem existe, também, porque sonha, constroi suas fantasias de tal modo que as transformam em tesouros tão significativos que requalificam a própria positividade de uma realidade, mistério só desvendado pela arte da Literatura.
Presentes no tempo, a História e a Literatura estão entre as realizações significativas do homem, que fazem a vida ser mais bem vivida. Elas duas são, a um só tempo, narrativas, discursos, linguagens, imagens de um mundo e, simultaneamente, sua abordagem, atos que nos permitem desvendar a nós mesmos a partir das coisas que sucederam ou das que poderiam suceder.
 
 
 
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 02/08/2018
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