Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


O Esporte
 
Para cultivar unicamente a alma e aperfeiçoar nela a coragem e a sabedoria, os deuses presentearam os homens com a música e a ginástica”. Esta é uma expressão do filósofo grego Platão (328-347 a.C.).
Essa descrição coloca o esporte na proximidade das coisas sagradas, aqueles bens dos homens que influenciam na própria humanização dos sujeitos sociais.  Existe um pouco disso no Espírito Olímpico ao disseminar os valores de respeito, amizade e excelência para nosso cotidiano.
Ficaria um pouco frio, sem alma, dizer-se, simplesmente, que o esporte é toda prática sistemática de exercício físico, de caráter competitivo ou simplesmente recreativo, que implica no emprego de força muscular, resistência, agilidade, destreza e coragem.
Não está errado se conceituar esporte desse modo.
É preciso, no entanto, ressaltar o dado estético do esporte, sobrepondo nele um pouco de poesia, para que seu encantamento, seu lado imaterial associado à arte apareça com nitidez, vibrando em suas tonalidades de cores, sons e alegria, para merecer a pré-qualificação pensada por Platão: “[...] os deuses presentearam os homens com a música e a ginástica”.
Fazer isso é não deixar escapar o esplendor que envolve os lances, os gestos do atleta em ação. Há qualquer coisa de mágico na troca de bola passada de pé em pé no futebol, na harmonia fidalga do basquetebol, nos arremessos do voleibol, numa indefinição só qualificada pelo espanto, a admiração, em que a alma sente e se deleita, enquanto a razão fica anestesiada, dominada pela magia que impele o atleta a pular, correr, nadar, voar, girar o corpo no ar em suave viravolta, desconsiderando a lei da gravidade.
Ontem e hoje, o esporte é uma prática universal: amador aqui, profissional ali, mas sempre presente na caminhada histórica do homem. Ele é parte dessa estrutura que nos faz ser um animal que se diverte, naturalmente ri, e, por isso, cria formas de lazer. 
Sócrates, o filósofo grego (469-399 a.C.), achava que a educação do corpo devia preceder a do intelecto e a ele se atribui esta observação:
 
Nenhum cidadão tem o direito de ser um amador em matéria de adestramento físico, sendo parte de seu ofício, como cidadão, manter-se em boas condições, pronto para servir ao Estado sempre que preciso.
Além disso, que desgraça é para o homem envelhecer sem nunca ter visto a beleza e a força de que seu corpo é capaz!
 
Na Antiguidade histórica todo o adestramento tinha por fim preparar os jovens para a carreira militar. Os jogos faziam parte dessa preparação física. Na Idade Média (476-1453) os novos valores estabelecidos pelo cristianismo desvalorizaram os cuidados com o corpo, substituindo-os pela purificação da alma.
O esporte reage.
Os humanistas realistas dos séculos XVI e XVII, mesmo opondo-se ao estudo do grego e do latim e à imitação de outros padrões da Antiguidade Clássica, defenderam a prática de exercícios físicos como fator de educação. O poeta inglês John Milton (1608-1674) recomendava que o dia dos jovens fosse dividido em três partes principais: a primeira dedicada aos estudos, a segunda aos exercícios e a última à dieta.
A partir do século XVIII – Idade Contemporânea – com a transição dos sistemas político, social, religioso e cultural, estabelecem-se as bases sobre as quais surgiria, logo em seguida, o esporte moderno. O filósofo francês, Jean-Jaques Rousseau (1712-1778), em sua obra Émile, de 1762, considera a educação ideal para os jovens e ressalta o valor dos exercícios físicos: “É um erro deplorável imaginar que os exercícios do corpo são nocivos ao trabalho da mente, como se essas duas atividades não estivessem em permanente acordo e como se a última não dirigisse, sempre, a primeira”.
Os exercícios do corpo são, antes de tudo, o encontro de homens se saudando, mostrando suas habilidades, superando limites, desafios. Lágrimas de glória ou de desespero se misturam em quadras, tatames e ginásios, mas tudo isso é que compõe o fundamento do esporte, nessa mistura de alegria e tristeza. Resume isso com genialidade o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em seu poema Futebol:
 
Futebol se joga no estádio?
Futebol se joga na praia,
futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma.
A bola é a mesma: forma sacra
para craques e pernas-de-pau.
Mesma a volúpia de chutar na delirante copa-mundo
ou no árido espaço do morro.
São voos de estátuas súbitas, desenhos feéricos, bailados
de pés e troncos entrançados.
Instantes lúdicos: flutua
o jogador, gravado no ar
— afinal, o corpo triunfante
da triste lei da gravidade.
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 06/08/2018
Alterado em 01/11/2018
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