Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


 O Diálogo
 
O homem é um animal que fala. Falar é um modo de comunicar-se, defender-se, atacar ou conciliar.
Se nos demais animais vale a agilidade dos pés, a agudez das garras, presas, chifres, dentes, bicos, unhas, no homem a fala é o fundamento básico que mais contribuiu para a constituição desse ser social que somos.
A fala ganha importância na instância das frases e envolve sempre a existência de um sujeito que se expressa em face de determinada circunstância, dado que a fala, enquanto expressão de um discurso, pertence sempre a um tempo e a um espaço próprios e, por isso mesmo, ela está carregada de sentimentos, anseios e compaixões particulares. Saturada da força de seu tempo-espaço, a fala é um acontecimento codificado. Para se compreender bem o que a fala comunica é preciso entender bem a alma do tempo-espaço em que a expressão verbal foi proferida.        
É preciso ressaltar que a fala pode tratar de coisas para além do momento em que acontece, mas ela é proferida sempre num contexto histórico. Essa é uma reafirmação da compreensibilidade da comunicação, porque “[...] o homem está submetido a leis universais e é passível de ser conhecido” (Burrhus Frederic Skinner – 1904-1990).
Na lembrança de que a palavra oral facilmente se esvaece, o arranjo que se encontrou para se resolver essa dificuldade foi a escrita. Com esse recurso do registro escrito, a fala é colocada ao abrigo da destruição, funcionando como memória de um tempo anterior, possibilitando ampliar o alcance de sua comunicação por muito mais tempo.
A expressão oral e a escrita ganham importância se postas em relevo sua finalidade: a comunicação. A comunicação realiza-se através do diálogo e da discussão.
Dialogar é se expressar através da palavra. O termo diálogo vem da palavra grega dialogos, onde logos é a palavra, mais que isso, é o significado da palavra. E dia significa através de. Através do significado da palavra nós nos comunicamos. Diálogo não significa dois ou duplo. Um diálogo pode se dar com qualquer número de pessoas, não apenas entre duas. Até mesmo uma pessoa sozinha pode ter um sentido de diálogo consigo mesma, se o espírito do diálogo estiver presente.
O espírito do diálogo é fazer surgir o entendimento, o acordo que se escondia por detrás da discórdia ou do ainda desconhecido. Dialogando fazemos surgir uma compreensão nova, algo que não estava presente quando a troca de ideias se iniciou. Pode-se dizer, nesse sentido, que dialogar é caminhar em direção da paz. O contrário disso é ver exaurir a expressão verbal, ou seja, a fala em forma de diálogo perde sua razão de ser. A pensadora da liberdade, Hannah Arendt (1906-1975), ressalta essa questão ao afirmar que “[...] O ponto aqui é que a violência é incapaz de fala, e não apenas que a fala é impotente diante da violência”.
É nesse contexto que o termo discutir, que é também uma expressão da palavra, ganha um sentido contrário ao termo dialogar, enquanto este une, discutir é separar. Discutir é uma análise em que se debate ideias tendo como fundamento os propósitos de um jogo: vencer ou ganhar pontos. A ideia na discussão é impor ao outro nossos intentos. O físico quântico estadunidense David Bohm (1917-1992) nos ajuda nessa compreensão quando afirmou:
 
Em um diálogo, no entanto, ninguém está tentando ganhar. Todo mundo ganha se alguém ganhar. Há uma espécie de jogo diferente quando se dialoga. Trata-se de um jogo onde não há tentativas de ganhar pontos ou de fazer prevalecer um lado.
 
A questão central que estamos reconhecendo é a de que o diálogo é uma ferramenta mais apropriada a serviço da defesa do homem, como a agilidade dos pés, a agudez das garras, presas, chifres, dentes, bicos, unhas são valiosas para os demais animais.
Somente através do diálogo é possível criar o terreno para fazer surgir a virtude moral, aquele conjunto de valores, de normas e de noções do que é certo ou errado, proibido e permitido, dentro de uma determinada sociedade. O que o diálogo vai fazer é ser o instrumento capaz de possibilitar a educação moral dos desejos, do contrário, chegaremos a uma situação de caos.
Superando as divergências através do diálogo, portas se abrem para todos os benefícios acontecerem e, por acréscimo, os prazeres e as esperanças ganharão mais espaço que os sofrimentos na convivência social.
        
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 06/08/2018
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