Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

O Projeto
 
 
Normas.
A vida ativa dos homens em sociedade exige a presença de normas: leis, princípios, códigos, regras. Essas normas surgem em razão do desenvolvimento de uma consciência moral, aquela condição que nos faz reconhecer princípios de ação correta.
Esses princípios não nascem com o indivíduo, eles são adquiridos através de processos educativos próprios de cada sociedade. Assim, é complexo dizer isto é certo, aquilo é errado, porque são as múltiplas as formas de agir, o que gera modos mais diversos de ensinamentos.
Agir é sempre um ato interessado. É busca de alguma coisa. Nessa procura, o olhar se reveste daqueles ensinamentos sociais postos como padrão do grupo. É certo que esse padrão se ajusta no decorrer dos tempos. Isso significa que, em tese, a ação nunca é cega, porque responde a um interesse de um sujeito dotado de consciência moral. Vale lembrar aquela premissa jurídica que diz que “A ninguém é dado o direito de desconhecer a lei para não cumpri-la”, isto é, em regra, sabemos o que é devido e indevido.
A necessidade do projeto aparece em razão desses fundamentos que qualificam o homem como ser moral, que deve agir em busca de seus interesses, respeitando aqueles padrões sociais da ação correta. O projeto tem a ver com planejar, arquitetar, intencionar, programar, traçar.
Importa dizer que um projeto é uma confissão de que as coisas não estão dadas por antecipação, é uma lembrança de risco, do ainda não inteiramente dominado. Ele é uma demonstração de uma possibilidade de ser. Sua base é o tempo atual, seu desejo é uma utopia, uma vontade de realizar-se num tempo futuro, tendo-se em conta a incerteza que toda caminhada oferece e a surpresa que o novo sempre apresenta.
Considerando que nada do construto social está predeterminado, o projeto acolhe essa indeterminação e a transforma em probabilidade de acontecer. É nesse gesto que acontece o desenvolvimento da ação inteligente, abrindo espaço para o progresso cultural e transformando cada pessoa em sujeito de si e do social.
O projeto, nesse caso, existe porque a inquietação do homem ganhou importância na realização das sociedades mais recentes. Há o contradito, vide um ensinamento de valor: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã. O dia de amanhã terá suas próprias dificuldades. A cada dia basta o seu fardo” (Mateus 6,34).
O projeto, em nosso tempo, abranda essa aparente contradição da inquietação intensa “com dia de amanhã” e o necessário deleite de cada dia. É que o projeto traz o futuro para o dia de hoje, numa espécie de resgate antecipado da esperança, agora vivida com as cores conhecidas do presente.
Construído o projeto na racionalidade do tempo presente, ficamos mais seguros de que o “amanhã cuidará de si mesmo”, porque estaremos presentes naquele “amanhã” fazendo os acertos com os novos elementos daquele tempo. Nesse raciocínio, elaborar um projeto é arquitetar nova história, num reconhecimento que a vida transcorre, modifica-se na direção do infinito. Mas, mesmo assim, nunca há garantia do sucesso pleno da efetivação do projeto, por isso há necessidade de atenção permanente e o acompanhamento para impedir o desvio.
Essa preocupação é parte do corpo do projeto. Vale observar o ensinamento do austríaco e professor Kurt Gödel (1906-1978) sobre “As proposições indecidíveis dos sistemas matemáticos formais”, isto é, todo sistema formal, a partir de certo tamanho, apresenta proposições dentro si que são falhas. Ora, se até na Matemática o domínio pleno das suposições alcança momentos de incerteza, imaginem na área do social, que contempla e aceita humores, olhares e intencionalidades mil advindas de cada membro da sociedade.
Independentemente da ausência de garantia absoluta na realização do projeto, a ação humana deve sustentar-se em planos, metas, objetivos, todos preparados a partir de conhecimentos do tempo presente, evitando-se deixar a vida por conta de mera sorte, como na loteria. Se isso acontecer, achando-se que a vida é um mero jogo, o indivíduo e sua sociedade ficam à deriva, como um pequeno barco a vela em alto mar, tocado ao sabor do vento.
O projeto não é um jogo, ele reduz o risco do erro e se constitui em fundamento da ação inteligente. A ação consciente é ação projetada.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 17/08/2018
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