Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

O Exemplo — Mandela
 
 
O pai da história ocidental é o historiador grego Heródoto — 485-425 a.C. Este título lhe foi conferido pelo estadista, orador e filósofo romano, Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.).
Heródoto, ao teorizar sobre a história, aplicou a tradicional ideia grega da moderação, ou meio termo, segundo a qual o “[...] equilíbrio é desejável, e o excesso e o desequilíbrio são a receita para o desastre [...]”. Desse fundamento, ele elabora um conhecimento histórico como exemplaridade: o conhecimento de aspectos culturais de um determinado povo vale como exemplo para outros níveis de ação, noutros espaços sociais.
O pai da história tinha razão.
Nelson Mandela (1918-2013) — Madiba — é um desses exemplos que o mundo deveria auscultar com a devida seriedade. Ser para o outro, oferecer-se como instrumento de libertação ou, como diria o próprio Mandela: “Sonho com o dia em que todos se levantarão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos”.
Mandela foi presidente da África do Sul, de 1994 a 1999, após cumprir 27 anos de prisão, de 1963 a 1990, em face de suas ações contra o Apartheid, regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994 pelos sucessivos governos do Partido Nacional na África do Sul, no qual os direitos da grande maioria dos habitantes foram cerceados pelo governo formado pela minoria branca.
Madiba fez os sul-africanos acreditarem no seu sonho, o de que a África do Sul poderia ser mesmo uma “Nação Arco-Íris”, na qual todas as “cores” poderiam conviver de forma harmônica. Um testemunho disso está presente na abertura de sua declaração de defesa no Julgamento de Rivonia, em Pretória, em 20 de abril de 1964, em que Mandela expressou:
 
Durante a minha vida, me dediquei à luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, e lutei contra a dominação negra. Eu defendi o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e conseguir realizar. Mas, se preciso for, é um ideal para o qual estou disposto a morrer.
 
Vozes como as de Mandela lembram que a narrativa do discurso se assemelha à ação. A prática corresponde ao que a idealização teórica fundamentou. No caso da África do Sul, esse exercício foi bastante sofrido e ceifou a vida de muitos outros “Mandelas”.
Em vida, Mandela se fez símbolo das aspirações da África do Sul. Com seu falecimento, em 5/12/2013, se tornou um ícone, uma representação ou visualização das virtudes de toda a nação africana e de todos os valores ainda em constituição, porque, como ícone, fora das oscilações do tempo histórico, é eternizado com aquelas qualificações pelas quais se doou em seus 95 anos de existência: “Durante a minha vida, me dediquei à luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, e lutei contra a dominação negra [...]”.
Agora há um Bem e um Belo sacralizados na figura de Mandela. As esperanças de um povo e a glória de uma nação têm um norte conhecido e irreversível. Essas esperanças e glória se alimentam das bem-aventuranças traduzidas de uma luta que se fez raiz, arquétipo, tempo inicial estimulador de novas conquistas. Estão presentes neste tempo inicial todos aqueles gritos de dores propiciados pelas desumanas ações dos colonizadores de origem inglesa e holandesa. Os nativos eram obrigados a viver em reservas especiais (Ato de Terras Nativas) e terem de apresentar passaporte para se locomover dentro do território (Leis do Passe). Eis uma consequência dentre tantas outras: em 1960, cerca de 10 mil negros queimaram seus passaportes no gueto de Sharpeville e foram violentamente reprimidos.
Desse processo de luta, nasce o Mandela como exemplo, ícone de um povo que canta e dança enquanto cobra direitos e assume obrigações de libertar todo o povo de jugos tirânicos ou, como sentenciou o próprio Mandela: “Enquanto existir a pobreza, a injustiça e persistir a grave desigualdade em nosso mundo, nenhum de nós pode realmente descansar”.
Discursando em Johanesburgo, na cerimônia religiosa em homenagem a Nelson Mandela, em 10-12-2013, o secretário-geral da ONU, Ban Kim-moon, declarou que Mandela é um dos grandes exemplos da história, e sentenciou: “Ele era inimigo da injustiça, não das pessoas. Odiava o ódio, não as pessoas. Mostrou um grande poder para perdoar”.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 17/08/2018
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