Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

O Paradigma
 
 
Copiamos o outro em nossa volta.
Isolados de seus semelhantes, o homem não desenvolve sua capacidade intelectual plena e se torna outra espécie.
De tempos em tempos, aparecem notícias de crianças que foram adotadas e cresceram entre lobos, ursos e macacos. Nos Andes, Peru, em 1990, foi encontrado uma criança de 8 anos nessas condições, entre caprinos, com ausência de linguagem, quadrúpede e abundância de pelo. Suas ações e reações se assemelhavam ao animal adotante: o caprino.
É grandioso o poder de amoldamento do homem. Nascemos homens, mas o humano do homem é uma construção que se efetiva na convivência entre os semelhantes, outros homens. Assim, o homem se torna humano ao se apropriar da cultura e de tudo o que a espécie humana desenvolveu. Diferentemente dos demais animais, o homem cria necessidades que têm por objetivo não apenas garantir a sua existência biológica, mas principalmente sua existência cultural. Tanto que, o conceito de necessidade, originalmente biológico, transforma-se para o homem em “necessidade histórico--cultural”, como bem analisa o filósofo e professor espanhol, Adolfo Sánchez Vázquez (1915-2011), em seu texto “Filosofia da práxis”.
Copiamos o outro em nossa volta. Copiamos a cultura, aquele modo de vida global da sociedade, o legado social que o indivíduo adquire do seu grupo, sua forma de pensar, sentir e acreditar. É a Antropologia nos ensinando: “A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela — a principal base de sua especificidade” Clifford Geertz (1926).
Tomar como modelo ou como exemplo modos de ser de determinados tempos sociais, é compor um paradigma. Paradigma é tudo aquilo que pode ser utilizado como padrão concreto de comportamento — costumes, usos e tradições — ou como um conjunto de mecanismo de controle — planos, receitas, regras e instruções. Vale lembrar que “... o homem é o animal mais dependente de controles extragenéticos que regulam seu comportamento”. A afirmação é do antropólogo Geertz.
O mundo é visto através desses modelos e mecanismos: paradigmas. Compreendendo bem esses modelos e mecanismos, a sociedade se revela ao olhar, à compreensão de seus sentidos. Cada um de nós se mostra ao outro, o que permite a composição de redes sociais de convivência e assegura o funcionamento de sistemas sociais, graças ao reconhecimento de símbolos e significados tomados como padrão. Na ausência desse reconhecimento, o conflito se estabelece.
Atenção. O tempo passa, o tempo voa. E os paradigmas permanecem?
Não, eles se modificam.
Essa resposta foi àquela apresentada pelo filósofo estadunidense Thomas Kuhn (1922-1996), em seu texto “Estrutura das Revoluções Científicas”. Na sua tese o “motor das ciências é a luta entre modelos explicativos, entre teorias e concepções de mundo”. Por exemplo, a teoria geocêntrica de Ptolomeu, que afirmava ser a Terra o centro do universo, foi substituída por um novo modelo, a teoria heliocêntrica de Copérnico, que afirmava ser o Sol o centro. Essas transformações de paradigmas são revoluções científicas e passam a ser modelos a serem seguidos.
O paradigma como modelo explicativo se aplica, também, a outros campos do saber humano. O exemplo aqui vem da Europa do final da Idade Média, a partir do século XIV, quando a autoridade moral da Igreja Católica fica enfraquecida e as ciências começam a rivalizar com a teologia. Surgiu aí a ideia que considera o homem como centro do universo: o antropocentrismo. Nessa ideia, o homem passa ser centro das ações, da expressão cultural, histórica e filosófica. É dessa base que Nicolau Maquiavel (1469-1527) expressou: “O homem é dono de seu destino”, como se pode ler no Capítulo XXV de seu genial texto O Príncipe.
Esse novo paradigma — o antropocentrismo — rompe com o modelo anterior, o teocentrismo da tradição judaico-cristã, passando a valorizar a razão, o homem, a matéria e promovendo a separação entre a teologia e filosofia. Agora a sociedade ocidental é laica, não se subordina a nenhum dogma religioso.
Vivemos agora sob esse novo paradigma: o antropocentrismo. O modelo de nossas ações, as imagens que fazemos do mundo constituindo nossas crenças, nossos projetos, esse modelo tem o homem como centro.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 17/08/2018
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