Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Vida Humana
 
 
Estamos no mundo.
Estamos no mundo ocidental com sua construção histórica presa em raízes fundamentadas nas ideias gregas, tempo inicial da elaboração da consciência do que somos: humanos.
Já estamos distantes daquele momento inicial em que viver nada mais ambicionava do que simplesmente se alimentar e se proteger. Ou seja, era a vida vivida sem outros desejos a não ser aqueles voltados para a simples sobrevivência, onde, a cada dia, a rotina era repetida com raras modificações. Era a simples busca do alimento e das estratégias de proteção. Foi a partir desse modo de viver que, num dado momento, olhares foram se voltando para um além, numa espécie de interrogação sobre as razões da vida e de todas as demais coisas ao redor, sobre o significado e o valor de todas essas feições geradas no interior desta morada comum e nos espaços além, fora de nosso planeta Terra.
Essa experiência de habitar a Terra, tendo presente o imperativo da sobrevivência (alimentar-se e proteger-se), fez surgir à ideia de que habitar é mais do que simplesmente morar, é criar um modo de residir, reconhecendo o elo originário com pertencer (fazer parte de) e enraizar-se (fixar profundamente). Isto é o mesmo que afirmar que o mundo e nós somos uma coisa só, numa composição de diferenciadas faces e de autonomias interdependentes.
É em razão desse pertencimento e fixação cravada que o espaço de nossa morada é sacralizado, deve ganhar certa inviolabilidade. O sagrado é aquilo pelo qual se faz sacrifícios, espaço de onde se pode fazer a comunicação com os deuses. A morada é como se fosse um templo, é o lugar onde a vida, o bem maior de cada um de nós, acontece e se engrandece, eleva-se em honras ou dignidades. As sociedades modernas têm dificuldade de conciliar o engrandecimento humano com as conquistas tecnológicas e a carência cada vez maior de recursos naturais da biosfera: o ar, a água, o solo, o calor, a luz, a fauna e a flora. Nesse contexto, a vida humana e a dos demais seres entram em risco e é preciso construir as possibilidades da defesa desta morada, sacralizando-a.
Vale lembrar que somente o homem pode assumir essa consciência do sagrado, da importância fundamental da morada, lugar da construção de valores, de afetos e de sentimentos. É dessa base que desenvolvemos nossa natureza de humanidade, esse amadurecimento emocional governado pela tendência inata à integração, essa busca do conjunto, do agrupamento, ali onde acontece o desenvolvimento das sensibilidades próprias do homem, como altruísmo, beneficência, cordialidade e outros atributos que combinam com fundamentos de religiosidades, moralidades, éticas e estéticas, sem o esquecimento das qualidades contrárias: egoísmo, malevolência, insinceridade...
A humanidade do homem, que se reveste de valores, afetos e sentimentos, não é formada de algo fora de sua própria experiência, advinda de mundos transcendentais, nem mesmo de qualquer faculdade ou instinto inato. A humanidade do homem vem mesmo é de seu trabalho no mundo, aceitando-se, como exemplo, o ponto de vista do pensador polonês Ernst Cassirer (1874-1945): “Não podemos conceber qualquer coisa real exceto sob as condições do espaço e do tempo”.
Há, então, um dado de história na composição da humanidade do homem: o espaço de ação. É nesse espaço de ação que surge a fronteira entre os demais animais e o homem. Essa fronteira é uma espécie de espaço abstrato formando um universo de conceitos e de elementos simbólicos, fatos para além da materialidade do modo de conseguir a alimentação e a proteção, atos próprios de uma consciência que reconhece a si mesma e projeta mundos novos, para além do tempo e do espaço vividos agora, nessa articulação entre o passado, o presente e o futuro.
O universo abstrato citado, que delineia a humanidade do homem, é resultante do estilo de vida que ele assumiu, tendo de inventar diferenciadas maneiras de dominar o seu tempo e seu espaço e ainda criar a perspectiva da vida futura. Nesse exercício de viver no seu formato humano, o homem fez surgir exterioridades novas que ganharam valor de tal importância que viraram substância da vida humana: linguagem, religião, arte, ciência, valores (audácia, bravura, coragem, denodo), afetos e sentimentos como amizade, amor, ternura, anseio, emoção, compaixão, alegria, tristeza, dor.
Essa análise não dá conta de uma consciência individual de homens realizando suas individualidades, ela exalta o sujeito universal, aquele ser em constante adaptação às condições do mundo que o rodeia. Condições estas qualificadas pelo termo humanidade, por advirem de arranjos próprios do homem, nem de longe ambicionadas por quaisquer outras espécies de animais: a cultura, a política e a ideologia.
É na cultura, na política e na ideologia que o homem demonstra sua humanidade, assumindo responsabilidade consigo mesmo e com o mundo, tomando consciência que temos de saber o que estamos fazendo para possibilitar a existência cada vez omais saudável da vida individual e coletiva.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 17/08/2018
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