Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Modernidade (II)
 
Viver a modernidade.
Perceber o mundo inquieto rebelando-se contra a experiência dominadora do catolicismo medieval.
Sentir a sociedade recusando o modelo da política econômica do comércio como fonte principal da riqueza das nações (mercantilismo), cedendo espaço para o capitalismo industrial, que se torna dominante a partir do século XVIII.
Ver restabelecer a confiança na razão grega como o único meio possível para compreender inteiramente os fenômenos naturais e sociais, mas agora conturbada pelas conquistas da ciência começada com Galileu Galilei (1564-1642) com seu telescópio:
 
Galileu colocou diante da criatura presa à Terra e dos sentidos presos ao corpo aquilo que parecia destinado a ficar para sempre fora do seu alcance e, na melhor das hipóteses, aberto às incertezas da especulação e da imaginação. (Hannah Arendt – 1906-1975)
 
Essa é a feição de um tempo novo entregue aos homens. Estamos no iluminismo, movimento global (filosófico, político, social, econômico e cultural) que defendia o uso da razão como o melhor caminho para se alcançar a liberdade, a autonomia e a emancipação.
São tempos novos, mas ainda sem a segurança de como construir esses fundamentos de independência, autonomia e liberdade; aspirações estas alimentadas pelo princípio de que [...] a experiência é a base de todo o conhecimento [...], conforme afirmou o filósofo inglês John Locke (1632-1704).
A experiência passa a ser a substância do tempo novo, é aquilo que serve de base para as teorias que explicam as atitudes individuais e sociais nessa busca de sobrevivência ou como ensina o pensador historiador E. P. Thompson (1886-1946): [...] não há uma Sede para a Teoria fora da própria prática do conhecimento. O recurso confirmatório está na lógica da história. Sustentando-se nessa tese, os pensadores iluministas (século XVII e XVIII) confiaram que o pensamento racional deveria ser levado adiante, substituindo as crenças religiosas e o misticismo, que, segundo eles, bloqueavam a evolução do homem. O homem deveria ser o centro e passar a buscar respostas para as questões que, até então, eram justificadas somente pela fé.
O que a modernidade quis, iniciou e ainda está processando, é a rejeição das estruturas absolutas dominadoras: o idealismo (a realidade é o pensamento), o materialismo (a realidade é a matéria) e o domínio religioso (a realidade é a fé). Essas estruturas absolutas capturavam todas as dimensões da sociedade, circunscrevendo tudo a seus parâmetros e negando lugar aos pontos de vista parciais. Um bom exemplo ler-se em Mateus 12-30: Aquele que não está comigo está contra mim [...]. Outro exemplo é a teoria hobbesiana (Thomas Hobbes —1587-1666) que entendeu a sociedade sendo formada a partir de um contrato social, transferindo os direitos que o homem possui naturalmente sobre todas as coisas, em favor de um soberano, dono de direitos ilimitados: A essência da soberania consiste unicamente em ter o poder suficiente para manter a paz, punindo aqueles que a quebram.
A modernidade surge daí, da consciência de uma racionalidade que deseja emancipar os indivíduos, tornando-os livres para decidir, buscar seus objetivos a partir dos interesses construídos em seu próprio espaço de convivência.
O pensador Immanuel Kant (1724-1804) é rigoroso nessa questão: O homem é o próprio culpado dessa menoridade [...], dessa incapacidade do uso da razão sem interferência de outros. Por isso mesmo Kant é imperativo ao afirmar: é preciso ousar saber. O que o filósofo chama a nossa atenção é que falta em cada pessoa a vontade firme de conhecer o que já está dito sobre o mundo. Há um largo conhecimento disponível que fala do bem e do mal, que mostra e demonstra vias de acesso para fortalecer as conquistas sociais de independência, autonomia e liberdade.
É este o novo palco da razão grega.
Nós assumimos o nosso próprio destino e, portanto, somos responsáveis por criar as condições necessárias para viver, para sair da menoridade e chegar à maioridade, usando de forma adequada a racionalidade que vem de longe, do mundo grego antes de Cristo. Ter coragem de fazer uso do próprio entendimento do mundo e por esse saber a serviço de cada um de nós e da sociedade – ousar saber.
Sabendo-se que a história não é alguma coisa que transcorre por ela mesma, mas sim através dos indivíduos que a fazem, havemos de superar por conta própria as dificuldades de convivência que nós mesmos criamos e aí nos emanciparemos, sairemos da menoridade para a maioridade e aí entraremos na modernidade.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 20/08/2018
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