A Beleza
“Deus olhou tudo quanto tinha feito e
viu que era tudo muito belo.” Gênesis 1:31 Vivemos no tempo e no espaço.
Na perspectiva de um mundo criado pela Providência, estamos todos marcados por um desejo comum de beleza e de bem, como na promessa originária: “[...] tudo quanto foi feito era muito belo”. Esse sinal de bem-aventurança natural, repassado de pais para filhos no decorrer de séculos, criou na cultura das civilizações uma densidade estética, um ideal de beleza como padrão das ações de cada povo, de cada indivíduo, o que nos faz, por essa relevância, ser construtores do belo, de tempos novos que engrandecem a vida, apesar de tantos contratempos no ordenamento social: pobrezas extremas, guerras, etc. Nesse reconhecimento de que o mundo é belo e de que a vida humana ganhou esse esplendor de beleza, salta como dever para cada um de nós a necessidade de pintar esse mundo de cores mais alegres, na criatividade que a força de cada um permitir, porque a beleza só se estabelece quando há um quê de prazer, de bem-estar e harmonia. E nisso a beleza não pode ser tomada de forma egoística, ela sempre se expande e ilumina como os fogos de artifícios na noite. É essa graça generosa que prepara a ascensão de nossa mente na direção de uma alegria que não cabe dentro de nós, como bem canta Tom Jobim (1927 – 1994) em sua composição Wave: Vou te contar
Os olhos já não podem ver Coisas que só o coração pode entender Fundamental é mesmo o amor É impossível ser feliz sozinho... Seria tão bom se a ideia de beleza como doação natural se aquietasse na alma e deixasse o mundo fluir sem se perturbar. Mas não, a beleza é uma dessas expressões da linguagem do homem que vem sofrendo evolução histórica de seu sentido, nesse mais de um milhão de anos que habitamos este planeta Terra. A pergunta que surge é: como perceber a beleza nas coisas, nos gestos, nos sujeitos? No pensamento grego, com Platão (427 – 347 a.C.), a beleza pertence ao mundo ideal. Ao afirmar que “[...] absolutamente tudo o que pertence ao mundo dos sentidos é feito de um material sujeito a corrosão do tempo [...]”, Platão então esclarece: “[...] tudo é formado a partir de um desenho eterno e imutável [...]”. A beleza que conhecemos nas pessoas, nas coisas, nas artes, tudo não passa de sombra do Belo eterno indizível. Por isso, o que somos e o que fazemos estão sempre sujeitos a aperfeiçoamento. Mais tarde, Tomás de Aquino (1225 – 1274) teoriza: “[...] Deus é a fonte da beleza [...]” e funde, numa síntese definitiva, fé e razão: “[...] Toda criação é boa, tudo que existe é bom, por participar do ser de Deus [...]”. Nesse sentido, o ato, a coisa, o gesto, a pessoa, tudo se faz belo ao se aproximar das orientações rumo ao sagrado e a tal ponto isso acontece que o texto bíblico sentencia: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gênesis 1:26). Cabe a cada um de nós, então, apenas organizar nosso olhar, nosso sentir e apreciar a beleza nata do outro, ela está lá, como expressão de doação da Providência. Em momento mais recente, do século XVIII até nossos dias, há um amplo embate sobre o conceito de beleza, porque se fortaleceram as teses do empirismo, das práticas baseadas demasiadamente nas experiências e nas observações. Os valores do humanismo e da racionalidade se arruinaram nesse período com a crise do capitalismo e do socialismo, além das duas guerras mundiais. Essa ausência de valores se traduz nas concepções da arte, da criação e do artista. Não existem mais valores a que o artista possa se referir como beleza. Vivemos uma “[...] geração pelos modelos de um real, sem origem e sem realidade [...] buscamos mais informação e comunicação e acabamos agravando nossa relação com a incerteza [...]” (Jean Baudrillard, 1929 – 2007). No entanto, as flores e seus perfumes continuam existindo. Permanecem entre nós os cantos dos pássaros, as bondades humanas como as da Irmã Dulce e Madre Teresa de Calcutá, as ideias vivas de Mahatma Gandhi e de Martin Luther King. E de quantos mais?
Na esperança de que os esforços pelo ordenamento social se realinhem, cabe a cada um construir sua vida interrogando o que é a beleza nesse processo de viver, no entendimento de que o belo pode ser construído. Agora o artista da alegoria da vida somos todos nós. Nós escolhemos o quadro que pintamos e as cores que queremos. Escolhemos o jardim que cultivamos e as
flores que desejamos. A beleza surge desse ato consciente do sujeito de querer fazer o melhor, na direção do encantamento da vida.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 20/07/2018
Alterado em 23/07/2018 Copyright © 2018. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |