Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


 
O Sublime (II)


 
Há espaço na vida para além da dor e da tristeza.
Essa certeza existe em face do conjunto de belezas presentes em tantas manifestações e faces: o riso das crianças, as festas de comemoração, a harmonia dos cantos, as cores da primavera na exuberância das flores nos jardins, a sonoridade dos pássaros ao amanhecer e entardecer, as conquistas da ciência no plano da saúde e os avanços das          ideias nas questões das liberdades e igualdades.
Há um arco-íris de fascinações presente em nossa vida.
A gratuidade desses encantos vem sendo subtraída na medida em que artificializamos a vida sob o manto de ideologias inspiradoras da posse gananciosa, ao se retirar dos indivíduos direitos fundamentais de sobreviver com dignidade.
A indignidade é uma dor suprema. É o lado mais feio que se pode contemplar nas pessoas, cruel castigo instituído nessa rede social de progresso tecnológico e de ampla alienação de direitos.
A pobreza de beleza e de alegria no mundo moderno espanta em razão das consequências que produzem nas relações entre as pessoas e as nações.
No reconhecimento dessa indigência de alegria e beleza, emerge a necessidade de se construir o sublime, nesse modelo imaginado pelo escritor e diplomata, o mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), autor do clássico Grande Sertão: Veredas:
 
Deus nos dá pessoas e coisas,
para aprendermos a alegria...
Depois, retoma coisas e pessoas
para ver se já somos capazes da alegria
sozinhos...
Essa... a alegria que Ele quer.
 
O sublime está nessa confluência entre a alegria e a tristeza, entre o feio e o belo. Ele é esse desejo humano de transcendência, independentemente da finitude da condição humana. O sublime se mostra na ação determinada do homem em construir sentidos para viver e se faz potência de movimentos da sociedade em forma de princípios norteadores de vontades e convivências, que bem poderiam ser ditos na forma como se expressou a professora Baldine Sait Girons: O sublime é a orgulhosa exaltação na alma, que se enche de uma alegria soberba.
É nesse universo de beleza, ofertado pela espontaneidade da Natureza ou resultante da conquista da inteligência humana, que surge o sublime sem o limite de mensurabilidades e de formas, porque ele, o sublime, é a representação do pensamento da totalidade. É por isso que, mesmo ali onde existe a profunda aflição, a experiência do sublime acontece, no milagre das resistências presentes nas resignações que se comprazem em esperar o momento certo para se soerguer.
Esse poder, essa força que se faz reconhecer como sublime, encontra-se simbolizado na sentença do poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956), que parece interrogar nosso ânimo:
Existem homens que lutam um dia e são bons; existem outros que lutam um ano e são melhores; existem aqueles que lutam muitos anos e são muito bons. Porém, existem os que lutam toda a vida. Estes são os imprescindíveis.
 
É nessa grandeza que o sublime se mostra sempre inapreensível em sua aparência, sempre inatingível em sua maneira de ser, furtivamente repousando em gestos leves, em ações meigas, na mais profunda interioridade do desejo que anima o indivíduo a agir na defesa da vida e no estímulo que faz a flor ganhar sua forma, cor e perfume.
Isso proclama que a natureza do sublime não é abstrata, não é uma ilusão do homem ao se deixar envolver com seus pensamentos transcendentais. Ele, o sublime, é visto no concreto da experiência do cotidiano que encanta o mundo e que nos faz refletir sobre o bem e o mal, sobre o feio e o bonito, numa espécie de consciência que transborda na arte, configurada nas variadas expressões como a música, a poesia, a pintura, ou que se expande nas bondades exemplificadas em figuras carismáticas, a exemplo da Irmã Dulce (1914-1992), de Martins Luther King (1929-1968), Madre Tereza de Calcutá (1910-1997), símbolos de bondade venerados pelos benefícios sociais de suas ações. 
O sublime como glória do sensível é esplendor, luz que ilumina nossas indecisões e justifica todo nosso esforço de viver, independentemente dos contratempos. O poeta mexicano Octavio Paz (1914-1968), em seu poema Irmandade, resume com sabedoria a feição do sublime:
 
 
Sou homem: duro pouco
 E é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.
 
Duramos pouco, mas nos ligamos à eternidade e sem entendê-la, a compreendemos, porque soletramos as informações do mundo, apropriamos de seus bens e sobrevivemos. O sublime está presente nesse gesto.
 
 
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 23/07/2018
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