Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Certeza
 
 
Existimos.
Estamos todos num espaço e num tempo infinitos. Sabemos que, nesse universo ilimitado, a imensidão nos dilui. Ilhados no planeta Terra, conscientes de nossa pequenez, criamos a nossa vastidão interna, outro universo que nos abre a um mundo também sem fronteiras.
De nosso lugar de vivência, sonhamos com um mundo onde possamos estabelecer sistemas, delinear conexões, colocar sob nossos domínios modelos, formas e jeitos de viver e ver surgir daí um universo de bens e serviços útil à sociedade.
Nessa intenção de construir esse mundo, condicionados pelas exigências do tempo e espaço de cada um, somos levados a entrar no território das pressuposições e dos fundamentos do conhecimento: fazer sabendo fazer. Reconhecer, antes de tudo, que não é possível transformar o mundo sem interpretá-lo. Qualquer ação humana concreta pressupõe uma interpretação, isto é, uma atitude reflexiva e conceitual.
Aparece nessas intenções de construir mundos a questão da certeza. Dicionarizada, a certeza é a convicção que o espírito tem de que os objetos são tais qual ele os concebe. O mundo de nossa certeza é o mundo de nossa representação mental ou o mundo da revelação de nossas investigações documentais (a ciência da história).
A certeza funciona como um norte, um horizonte, uma utopia para onde nós nos dirigimos, torna-se um suporte que nos permite apoiar para agir. Isso somente tem força porque acreditamos no fundamento de uma razão de viver: o mundo tem finalidade. Esse mundo seria guiado por uma ordem moral, capaz de nos estimular no exercício de cuidados para se estabelecer o bem-estar geral dentro da sociedade, evitando-se a desordem.
O que seria pensar um mundo com finalidade?
Vontades inteligentes têm traçado caminhos para ressaltar essas finalidades e apresentar rumos na direção desses alvos, produzindo certezas, modos de alcançar ideais.
Platão (428 – 347 a.C.) reconhece a existência de dois mundos, o constituído de fenômenos (mundo sensível) e o formado de ideias (mundo inteligível). O mundo sensível, aquele que podemos manusear, é ilusório, transitório, imperfeito, ele é sombra do verdadeiro mundo, o das ideias: espaço do Bem, do Belo, das Coisas Perfeitas. O sentido de viver em Platão é procurar atingir o mundo das ideias gerais pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos. Para isso, foi instituída a Paideia (educação grega), que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento. O sentido da vida é se tornar um cidadão perfeito.
Santo Agostinho (354 – 430), bispo da Igreja Católica, retoma a dicotomia platônica referente ao mundo sensível e ao mundo das ideias e substitui esse mundo das ideias platônicas pelas ideias divinas. O Bem e o Belo eternos de Platão foram trocados por Deus. A finalidade de viver agora é pensar e agir corretamente sob a inspiração divina. O sentido da vida é alcançar a salvação eterna.
A contemporaneidade reproduz a mesma estrutura mental dos tempos anteriores, as mesmas especulações que se fundamentam na noção de finalidade e às causas finais (teleologia). Falamos da existência de um mundo sensível e de um futuro de bem-estar social dado como recompensa. Neste período, se agregam conquistas novas da racionalidade da ciência e da autonomia dos sujeitos. Tudo agora é posto sob dúvida: “Se há conhecimento, então as nossas crenças estão justificadas; mas as nossas crenças não estão justificadas; logo, não há conhecimento” (René Descartes, 1596 – 1650).
Já vimos que a certeza é parte das ideias de um tempo. Ela se modifica dentro do movimento produzido nesse jogo de interesses e domínios de cada sociedade, em cada tempo. Agora estamos em um mundo da plenitude do hoje, com a divinização do mercado e do absolutismo da individualidade.
Com a certeza enfraquecida ao acompanhar o espírito do tempo, muitas dúvidas e desconfianças fizeram desaparecer a força da finalidade da vida e enfraquecemos o valor da esperança.
Resta entender que outros caminhos podem ser encontrados, considerando o que sentenciou o poeta alemão Rainer Maria von Rilke (1875 – 1926): “O mundo é grande, mas em nós ele é profundo como o mar”.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 23/07/2018
Alterado em 26/07/2018
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