Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


A Liberdade
 
 
“Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!”
Medeiros e Albuquerque (1867 – 1934) (letra)
Leopoldo Miguez (1850 – 1902) (música)
 
 
No Hino da Proclamação da República Brasileira (1890) já está presente o desejo de uma liberdade como luz iluminando as possibilidades de um novo porvir. Nesse compromisso de um novo dia em que seremos todos iguais, o poeta não se esqueceu de ressaltar que a conquista da paz que queremos dependerá de lutas que haveremos de vencer e, à frente, a esperança se concretiza no verso final do hino: “Seja o nosso País triunfante, Livre terra de livres irmãos!”
Essa é uma pequena mostra de que a liberdade é uma palavra que apresenta diferentes sentidos, é polissêmica. O hino fala de liberdade ao requerer à ideia de futuro, ao se envolver com a questão de paz, luta, triunfo e confraternização: “Livre terra de livres irmãos!”
Nosso tempo, no entanto, tem suas raízes muito mais profundas do que esse período da Proclamação da República. Essas raízes vêm de experiências seculares na busca de livrar os homens dos grilhões da dominação. A ideia, que esteve sempre presente ontem e existe hoje, é instituir um mundo onde se amplie o exercício individual de poder escolher destinos e agir com autonomia.
A liberdade que podemos desejar deve revestir-se de uma historicidade na qual o homem seja centro privilegiado de toda a preocupação (humanismo) e a fraternidade ganhe relevância em face da experiência judaico-cristã do “Amai-vos uns aos outros” (João 15:17). Ainda mais, a liberdade que se espera viver deve incluir o direito de se usufruir de todos os bens úteis elaborados e utilizados na sociedade em que vivemos: a casa, o trabalho, as conquistas da ciência e da tecnologia.
Nesse interesse, na procura de melhor adequar a liberdade ao tempo novo em que se vive, é preciso fazer a inserção dos sujeitos em sua realidade, num trabalho pedagógico de instituições como escola, igreja, família, entre outras, de modo que se tome consciência dos dramas e das possibilidades de seu espaço-tempo e se possa exercitar escolhas e autonomias.
Importa muito esse esforço de reflexão, de desenvolvimento da consciência, de ganho de erudição, para se conseguir qualificar liberdades e liberdades. É que o mundo contemporâneo elaborou uma ideia específica de livre-arbítrio que vai ganhando uma feição ilusória ou se tornando um simulacro, um arremedo: tudo o que é deve ser livre.
O que se observa da velha tradição grega é que o homem é um animal social, importa dizer que todo homem está sempre em sociedade com outros homens. Perde sentido a busca de liberdades absolutas em que se lançaria uma espécie de homem perfeito que se basta a si próprio. Nessa impossibilidade da divina solidão do homem perfeito, a liberdade se relativiza e ganha dimensão possível nos condicionamentos impostos por outras esferas sociais: a economia, as ciências, as tecnologias, o poder político e outros.
É negativo então aspirar-se que tudo que é deva ser livre, porquanto, em razão de nossa interdependência insuperável, nós precisamos sempre do outro. Estamos circunscritos em limites e engrandecidos por isso, pois aí se estabelece o cenário onde o homem se realiza, aprendendo a viver no coletivo, confraternizando- se, amando, num processo civilizador, ainda que cheio de contratempos e de sofrimentos.
A tese de Isaiah Berlin (1909 – 1997), que reconhece a existência da pluralidade de valores e nos obriga a efetuar escolhas, admite que sempre acontecerá alguma perda ao se decidir o rumo da caminhada:
 
Não se pode ter tudo ao mesmo tempo. A liberdade não é
seguramente o único valor estimável. Existem muitos outros.
Mas a ideia monista de que é possível reconciliar todos
os valores num todo harmonioso, sem conflito entre eles,
é uma ideia errada. Visa alcançar o paraíso na Terra. Em
regra, gera infernos totalitários.
 
Liberdade é poder escolher e realizar o próprio rumo, mediado pelas possibilidades do espaço e tempo presentes.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 24/07/2018
Alterado em 01/08/2018
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