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A Saudade O olhar que vislumbra o futuro, abrindo janelas para os novos tempos, é o mesmo que visualiza os tempos que transcorreram. O futuro que divisamos ainda não existe objetivamente, ele é só esperança do presente que quer se realizar, mundo novo que se estabelecerá com base no já construído até o presente. Essa prefiguração do futuro é o alento da alma que busca e se moderniza, é o contraponto do presente que vivemos e do passado que recordamos. Passado este que vive em nós porque vivemos com ele nos diferentes estágios que se estenderam da infância ao hoje. E porque o passado somos nós mesmos, temos o apego afetivo a detalhes: a casa em que moramos, o rio onde nos banhamos, a sombra da palmeira onde brincamos, os abraços carinhosos da vovó e as suas histórias contadas na rede embalada ao sossego da tarde. A saudade reside e se nutre na memória da vida que vivemos e naquelas coisas todas que fizemos ou compartilhamos. O escritor Machado de Assis (1839 – 1908), em seu livro Dom Casmurro (1900), faz esse exercício de memória e saudade ao enlaçar as duas pontas da vida (infância e velhice), contando a história do cinquentão Bentinho (o Dom Casmurro) ao lado de Capitu: “Se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca” (Cap. CXLVIII). A saudade dói e fascina, vemos isso em Dom Casmurro, sentimos isso em nosso viver. Num certo momento de inquietação do espírito, a tendência de nosso olhar é se voltar para o passado. É como se nossa alma desejasse se aninhar na proteção de um tempo já transcorrido, numa espécie de fuga do mundo sensível, lançando-nos no campo da nostalgia traduzida vezes em risos abertos e largos, vezes em lágrimas. Momentaneamente, nesse impulso de revisitação do passado nas asas da saudade, nasce uma ameaça à autonomia do sujeito. Ele pode encantar-se com aquele colorido que um dia lhe envolveu, correndo o risco de esquecer-se de retornar para assumir seu tempo. Isso acontecendo, ele perderá a capacidade de perceber novas tonalidades ofertadas pelo tempo novo e aí a vida se fecha, como aconteceu com Bentinho, na alegoria de Machado de Assis: a casmurrice se faz, a vida perde a juventude, se enfraquece e se esvai. A outra face da saudade é aquela que ilumina o futuro, é a que se torna energia que nos impulsiona para frente, impedindo o efeito conservador da contemplação da pureza do passado, transformando o poder da felicidade em estímulo da observação do encanto no processo do movimento. Somos herdeiros de um tempo e temos o dever de atualizar esse tempo e reverenciá-lo até que o repassemos para nossos filhos. A saudade, esse olhar que nos leva a enxergar o passado afetivo, nos transforma em viajantes do tempo e, muitas vezes, nós nos iludimos, porque o ponto de chegada já não é o mesmo, no que fazem surgir, simultaneamente, a alegria e a tristeza. Ficamos à deriva e a dor acontece, como clama Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987) em sua poesia Confidência do Itabirano: Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. [...] Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói! Nessa viagem no tempo em busca do passado vivido, a saudade nos encaminha na busca de nós mesmos num outro tempo, como se lá no passado (na infância) existisse um estoque de energia. Seria a felicidade? Sendo essa energia a felicidade, de quando em quando, então, nós sentimos necessidade de solver uma parte dessa energia estocada no tempo que passou, recarregando-nos daquelas mensagens que nos fizeram ser quem somos. É o porto seguro onde lançamos nossa âncora, ponto fixo que nos fez viver nosso tempo anterior e conviver com o tempo presente e querer um futuro. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 24/07/2018
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