Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


O Desejo
 
Na medida em que vivemos, inventamos novas coisas e projetamos originais modos de agir. O mundo físico é modificado para se ajustar a interesses sociais. Nesse fazer, benefícios e prejuízos acontecem para a sociedade e para todo o espaço físico.
Ter consciência disso é reconhecer uma inquietação no jeito de ser do homem. Permanentemente, estamos modificando nossos interesses, desenvolvendo novos gostos, criando novos caminhos e novos instrumentos. Modernamente, essa busca pelo novo e essa transformação das ideias se aceleraram. O que levava anos e até séculos para se alterar, para perder sua utilidade, agora padece de um mal que inferniza: tudo fica descartável rapidamente.
Nesse jogo do envelhecimento precoce, não são apenas as coisas materiais que sofrem, são, também, as ideias, os costumes, as estruturas sociais, os fundamentos que se constituíram em pilares de vivências e fizeram acontecer conquistas da inteligência, avanço de nossa possibilidade para melhor realizar benefícios a favor da sociedade.
É nesse movimento dos sujeitos modificando o mundo para viver, nesse desassossego de construir formas diferenciadas que atendem necessidades mais variadas, é aí nessas deliberações do homem que nasce o desejo.
Desejo se constitui como sendo um ato consciente de cada sujeito que decide fazer. Esse querer realizar pede outros cuidados de como fazer isso, o que mobiliza o espírito criativo, exercitando a inteligência, numa espiral que nos possibilita compor um quadro histórico de progresso do espírito humano, agraciando a vida com tantos outros benefícios.
Esse desejo, que nos conduz para a busca de bens de nosso interesse, deve ser compreendido e domado, porque está submetido a imposições da cultura do sujeito desejante, em que se estabelece a moral dominante do grupo, que ganha poder para classificar o desejo como sendo bom ou mau.
Sustentando-se na mobilidade de uma base cultural, o desejo se torna contingente, pode mudar de maneira inesperada e imprevisível e até contrário a si mesmo, sob impacto de paixões, em que o sujeito se submete à vontade de outros, perde sua perspectiva, desorienta-se e já não se conduz, é levado, como na canção Timoneiro, de Paulinho da Viola (1942) e Hermínio Bello de Carvalho (1935):
 
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar
A rede do meu destino
Parece a de um pescador
Quando retorna vazia
Vem carregada de dor
Vivo num redemoinho
Deus bem sabe o que ele faz
A onda que me carrega
Ela mesma é quem me traz
 
Por outro lado, equilibrando-se na diminuta faixa dos fundamentos da razão, que revela a atitude, firmeza e perseverança, o sujeito ativo coloca seus objetos de desejo como meta e vai atrás deles, realizando-os um a um, ainda que tenha de efetuar correções de rumo no percurso. Assim decidindo, o sujeito desejante refreia o desejo, educando-o para transformá-lo em vontade refletida.
Uma centelha de virtude, de austeridade no viver, aparece nesse gesto de dominar o desejo, alinhando-o, sem se perturbar, na direção do alvo concebido originalmente: o objetivo. É como se o medo de caminhar fosse eliminado pela força da consciência que sabe o que quer.
Lembrando-se que o desejo relaciona-se com a memória e o olhar particular de cada sujeito; em certos momentos, o caminhante do desejo cai em solidão, como se fosse abandonado pelo social. Nesse instante, a prudência indica a necessidade de rever nossos símbolos, aquelas imagens que representam e encerram a significação final do alvo imaginado, que estimulou, inicialmente, a caminhada. O segredo é inovar permanentemente o sentido de nossos símbolos, pois eles não deixam envelhecer nem morrer nossos desejos.
Nesse esforço, o desejo refletido é transformado em sublimação por atingir grandezas próprias das virtudes humanas, a exemplo da ordem, da paciência, perseverança, prudência, responsabilidade, entre outras. Nesse momento, o desejo se submete à arte da razão do desejante e se depura, se libera, amadurece e fortifica seus próprios artifícios.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 26/07/2018
Alterado em 01/08/2018
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