Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


A Felicidade
 
Pensar a existência humana desligada da formação do universo em sua totalidade é conceber um privilégio sem contas ao homem.            Dois fundamentos, ao menos, impedem esse juízo. O fundamento bíblico diz que somos pó e ao pó retornaremos (Gênese 2,7 – Eclesiastes 12,7) e Charles Darwin (1809-1882), naturalista inglês, desenvolveu a teoria da evolução: os organismos mudam suas características hereditárias ao longo do tempo, transformando-se, alterando-se e sendo outro mais tarde e não para de mudar.
Estamos no mundo e somos mundo. Somos uma só coisa, simultaneamente finito e infinito. No percurso, ganhamos consciência daquilo que somos (humanos) e temos ciência de que outras coisas além de nós existem.
A certa altura de nossa jornada, traçamos um caminho diferente das demais espécies e criamos uma dimensão para tudo (tamanho, volume, estatura, grandeza, qualidade, valor...), que em nós passou a funcionar como potência, como aptidão para realizar algo.
A felicidade é uma dessas potências no homem. Em tese, todos nossos esforços para construção da vida em conforto material, em garantia da saúde, em poder criar um ninho de amor no aconchego da família, tudo parece ser um trampolim para a felicidade.
É preciso perceber, no entanto, que a felicidade não é um dado exterior ao sujeito. Cada um de nós é que vincula a nossa possibilidade de alegria a um objeto de desejo: ler um livro, escutar uma sinfonia, ter uma casa, fazer uma viagem, dedicar nossa vida a uma companhia amorosa de outra pessoa..., mas não é aí o domicílio do prazer.
O objeto de desejo é exterior, mas a felicidade é interioridade da alma, esse princípio imaterial da vida, do pensamento e da ação. Para que essa felicidade persista, a ideia é procurar a eternidade do bem desejado. Vinicius de Moraes (1913-1980) compreendeu isso e fez sua versão em seu Soneto da Fidelidade:         
 
 
[...]
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
 
   
A felicidade, desse modo, é um fenômeno predominantemente subjetivo e seu substrato, sua essência é a eternidade. Ela (a felicidade) não deve se prender a transitoriedade dos bens que o homem produz em face da finitude desses bens, porque facilmente eles perecem. Nossos sentimentos de bem-estar e de prazer devem procurar se sustentar na extensão das coisas que permanecem.
Fazer esse encontro com a eternidade das coisas pede reflexão, como em qualquer outra busca. Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), em seu genial O Pequeno Príncipe, oferece uma pista naquele momento em que o Principezinho dialoga com a raposa: “Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”
Isso importa reconhecer que a felicidade é uma tarefa de responsabilidade de cada pessoa individualmente e nisso já avançamos muito.  A partir das ideias iluministas (movimento cultural de elite de intelectuais do século XVIII na Europa), o mundo ocidental desenvolveu a crença de que todo ser humano tem o direito de atingir a felicidade. Essas ideias alcançaram o mundo contemporâneo com tal força que a Declaração de Independência dos EUA (4 de julho de 1776) registra: “Todo homem tem o direito inalienável à vida, à liberdade e à busca da felicidade”.       
Embora a felicidade somente se realize no plano individual, sua conquista depende do coletivo. Subordina-se a essa vivência que põe a prova os valores de humanidade construídos nessa vontade de defender a emancipação da vida, na condição de bem maior que possuímos.
Respeitando-se o parâmetro da defesa da emancipação da vida, cada um de nós poderá construir o seu ethos, a sua maneira de ser na busca da felicidade, tendo presente a experiência concreta em que se vive.
Vale lembrar, por fim, que esse prazer da alma, nutrido pelo indivíduo, está no alcance dos bons e dos maus. Existe sim uma felicidade particular e individual sem virtude, mas ela perde seu rumo no confronto com os limites da defesa montada pela sociedade.
Somos regentes de nossas vidas e herdeiros de nossos atos, a felicidade ou infelicidade surge aí como subproduto do que fazemos ou em razão da interferência de outros. Mas a felicidade existe e devemos buscá-la sempre.  
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 26/07/2018
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