Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

 
A Ilusão
 
 
Estamos no mundo.
Comparecemos neste universo imenso de tantas diversidades e de tal limite inimagináveis que só nos confortamos porque somos uma parte dessa variedade infinita resultante do mesmo fermento misterioso criador do tudo que há.
Tomamos conhecimento dessa grandeza e reconhecemos essa imensidão em nossa volta, campo aberto à imaginação e ao devaneio ofertando-se à dimensão interminável de possibilidades da alma, como no ensinamento filosófico do poeta Pierre Albert-Birot (1876 - 1967):
 
E eu me crio com um traço de pena
Senhor do mundo,
Homem ilimitado.
        
Estamos no mundo e o contemplamos e sabemos que essa imensidão externa se estende para além de nosso poder de sonhar, se inverte como num reflexo do espelho, ganha nossa interioridade e se realiza em nós. E mal sabemos quem somos. E quantos outros universos não criamos enquanto olhamos as estrelas a cintilar?
A ilusão surge desse encontro magnífico entre a imensidão externa e a imensidão íntima. A imensidão externa, de tão ampla, torna-se inexprimível, indizível, esconde-se na infinidade. Na outra face, a nossa imensidão íntima, também ilimitada, se instala na imaginação, abrindo possibilidades igualmente infindas, ao criar um novo universo, o reino do devaneio, mundo da abstração onde pulsam os sonhos e as paixões.
Existindo nesse reino do devaneio, a ilusão distancia-se da categoria do verdadeiro e do falso e corresponde à hierarquia do desejo que, misteriosamente empurrado por uma força estranha, conduz o espírito a desafiar o obscuro, o dissimulado e o ausente. Derivam desse berço da inventividade humana as realidades objetivas: ontem eram apenas sonhos, hoje já são bens de uso comum de que todos se servem: a casa, o carro, o remédio, o vestuário, as formas de governo, os costumes...
A presença da ilusão, nesse andamento, estabelece na alma humana um terreno apropriado para as discussões e reflexões e passa a ser constitutiva do conhecimento ao despertar a imaginação essencial como predicado de toda e qualquer construção do mundo objetivo, que antes estava apenas no pensamento.
A ilusão, assim, é a imaginação em trânsito para se realizar como gesto e como acontecimento, ao se configurar em vida ativa na consciência dos indivíduos que se organizam em grupos, em sociedade e faz a vida fluir. Foi nesse sentido que o filósofo e escritor alemão Georg Philipp Friedrich von Hardenberg (1772-1801), mais conhecido pelo pseudônimo Novalis, declarou: “[...] o mundo de dentro é o caminho inevitável para se chegar verdadeiramente ao mundo externo e descobrir que os dois serão um só quando a alquimia dessa viagem produzir um homem novo, o grande reconciliado.”
É mesmo nesse encontro do mundo de dentro com o mundo externo, da expressão de Novalis, que vemos a ilusão se configurando no reconhecimento de que vivemos no mundo e o imaginamos. Somos homem novo porque estamos dotados de uma capacidade de saber de nossa existência e poder influir sobre ela. O homem, no reino da Natureza, esse conjunto de todas as coisas que existem, foi grandemente beneficiado ao receber o prêmio de ter consciência de si.
Poder apreciar a própria vida e imaginá-la mais ditosa num outro momento é reconhecer na ilusão uma potência capaz de iluminar caminhos, ao se dar conta dessa relação amigável entre imaginação e saber. No envolvimento com os dados do tempo presente, surge a ideia e depois sua realização no mundo prático em forma de conhecimento. O saber, então, não anula a imaginação, mas oferece a ela condições de se autorreformular.
É nesse jogo entre pensar e fazer que se observa a existência de um nexo interno da imaginação e o gesto do corpo executando, ainda que a configuração posterior do realizado não se confirme como dado que foi imaginado, mas a imaginação estimulou a ação e, simultaneamente, a ação influiu no processo de pensar.
A ilusão, como potência do saber, estimula a vontade de agir e faz surgir mundos novos. Mundo infinito da alma de cada pessoa que quer, busca e se reconhece Senhor do mundo / Homem ilimitado, nascido da esperança de existir e viver em alegria ao realizar sua vida e contribuir para que sonhos de outros aconteçam, também, em contentamento.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 26/07/2018
Alterado em 26/07/2018
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