Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


A Ética
 
Vivemos em sociedade.
Existimos em meio a uma multidão de pessoas vivendo em espaços tão diferentes, com exigências ambientais tão diversificadas, que nos tornamos estrangeiros para o outro. Somos homens iguais por natureza, mas inteiramente desiguais culturalmente, no modo de fazer, sentir, querer e desejar as coisas do mundo. Somos distintos, também, na intensidade de nossos sonhos e devaneios que nos levam a perseguir nossos ideais.
Não bastassem a geografia, cultura e as inspirações que nos fazem dessemelhantes, temos, ainda, a forte influência das mudanças aceleradas do conhecimento do mundo contemporâneo. Estamos cada vez mais compreendendo os fenômenos naturais, dominando e utilizando-os nos saberes exercitados pela ciência e tecnologia: ontem era apenas um estudo de uma célula, hoje já fazemos as clonagens humanas e a transgenia vegetal através de técnicas da engenharia genética. E isso é apenas um exemplo entre centenas de outros.
Todo esse saber humano, ao ampliar o horizonte de percepção dos indivíduos, influencia grandemente aquelas decisões de fazer, sentir, querer e sonhar e acentua nossa desigualdade cultural.
É dentro desse mundo multicolorido, com suas dimensões ilimitadas de ser e agir, que se desenvolve a conduta humana, os comportamentos caracterizados em modos específicos de cada pessoa, grupos e sociedades inteiras. Nisso, vê-se desfilar modos de falar, de agir e reagir, de sentir, decidir e confiar.
A ética surge dessa necessidade de o homem atribuir limites aos procedimentos próprios, individuais ou coletivos, ao se preconceber meios e fins para os propósitos humanos. Isso significa que a ética é encontrada ali onde a conduta humana se processa: na vida prática, no dia a dia da busca da manutenção da existência. A ética é formulada no tempo-espaço de vivência dos sujeitos, nesse jogo da experiência que nos qualifica a viver em diferentes ambientes físicos e sociais: na mata amazônica, no deserto do Saara, numa cidadezinha qualquer ou na megalópole capital paulista.
Dicionarizada, a ética é a ciência da conduta, do comportamento, do procedimento. É uma habilidade humana que nos coloca dentro de um território de costumes, facilitando a comunicação no interior das redes sociais, ao se distinguir o certo do inconveniente; o justo do ilícito; a excelência moral (a virtude) dos atos recrimináveis. É por isso mesmo que todos nós nos sentimos pertencendo a um dado grupo e, por pertencer ao grupo, conhecemos suas regras e procuramos observá-las, porque elas nos fazem sentido, pois foram construídas historicamente, lado a lado do estabelecimento de nosso espaço de morada, formando nosso território e nos constituindo enquanto cultura. O sociólogo alemão Max Weber (1864 – 1920) ressalta a importância do pertencimento a quadros sociais, ao afirmar: “A sensação de ‘pertencimento’ significa que precisamos nos sentir como pertencentes a tal lugar e ao mesmo tempo sentir esse lugar nos pertencendo, e assim acreditamos que podemos interferir na rotina e nos rumos desse espaço onde vivemos”.
E porque os costumes elaborados em cada lugar e em cada tempo são bastante diferentes, eles geram interesses tão diversos que impedem a comparação valorativa dessas condutas. No máximo, devemos procurar entender essas condutas e tirar delas os proveitos possíveis, ajustando-as a outros padrões.
Vale ressaltar que a ética não é plural como são os costumes humanos. Ela (a ética) é a ciência da conduta, a aptidão que orienta a escolha do modo de agir de cada um de nós e da sociedade, por definir meios e fins que são universais, como na expressão do filósofo grego Aristóteles (384 – 322 a.C.): “A felicidade é o fim da conduta humana”.
Modernamente, o homem rompe com sua antiga atitude de contemplador passivo do mundo e se torna um construtor ativo do conhecimento e da ação e, por isso, a ética, para além desse mundo de pura contemplação, agora se apóia em solo positivo, como na expressão do filósofo e estadista francês Henri Bergson (1859 – 1941): “A dualidade de forças que fundamenta a ética são a pressão social e o impulso de amor”.
Isso corresponde dizer que o fundamento ético é o de estabelecer bases para se encontrar o caminho da “escolha correta” na busca de viver bem e conduzir-se bem e com ternura. As experiências vividas no tempo histórico são as norteadoras da “escolha” e fazem surgir uma feição da ética que nos estimula a pensar num horizonte distante e nos leva a alcançar objetivos traçados. Essa ética, como móvel da conduta, é a ética do prazer. A ideia é executar as atividades do dia a dia com determinação e contentamento possíveis. Nesse caminhar, o fim é perseguido ponto a ponto, durante a vida inteira e, enquanto isso, cada um de nós vai apreciando o cenário dos valores, se requalificando e influindo para seu aperfeiçoamento, enquanto nos ajustamos às novas condutas, acolhendo-as como bem do tempo novo.
O que buscamos como seres éticos que somos?
Queremos construir nossa humanidade. O homem não é um ser pronto como as abelhas ou as formigas. Nós somos frutos de uma luta, de um esforço social e devemos assumir uma atitude de dignidade capaz de nos afastar para longe de nossa animalidade primitiva, humanizando-nos como espécie diferenciada que somos, que tem consciência de si e do mundo à sua volta.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 27/07/2018
Alterado em 31/07/2018
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