Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Sensibilidade
 
Ainda existe em nós adultos um pouco daquela alma infantil que brinca com o mundo?
Rir. Acolher os encantos das cores e dos sons expressos pela fauna e a flora. Vibrar com a beleza das reproduções artísticas. Essas coisas ainda são possíveis no mundo conturbado em que vivemos?
No reino mitopoético das fantasias, esse universo de cores, sons e risos existe. No chão em que pisamos, na casa em que moramos, no mundo onde vivemos esse reino mitopoético das fantasias pode ser elaborado e vivenciado. As condições para isso existem e disso o poeta alemão Rainer Maria von Rilke (1875-1926) nos lembra: O mundo é grande, mas em nós ele é profundo como o mar.
Esse mundo imaginado nos contos de fada, denso como o mar, pode se transfigurar em um mundo vivido pelos indivíduos. Um caminho para isso é construir a vida na tranquilidade de desejos pacificados, em oposição à ânsia multiplicadora de empilhar, continuadamente, bens materiais.
De longa data fomos ensinados a medir nosso valor a partir de qualificações materiais: valemos pelo que temos. Essa racionalidade foi desvalorizando a importância de outros parâmetros tão preciosos à vida humana: o riso descontraído, o contentamento aberto, solto.
A ideia que deve ser considerada é a de reaprender a viver, contrariando a direção do fluxo que impõe o espetáculo da exterioridade, da beatificação do reluzir do ouro, prestando-se mais atenção à harmonia dos sons e cores ainda presentes em nosso meio, nos sinais de gestos de tolerância, nos abraços confortantes de puro afeto.
Entrar nesse mundo de encantos está proibido pela lógica do conflito a que foi reduzida a vida humana. Desse ângulo, viver é lutar. Luta que produz o embate dos domínios da posse e dos valores instituídos a partir da condição de proprietário: o poder e seu reconhecimento.
Reagir a esse senso comum de que a vida foi, é e será sempre luta conflituosa, é trazer para si luzes novas com focos dirigidos para momentos de encantos, é desenvolver novas sensibilidades, na confiança de que infinitas são as saídas que apontam para horizontes ainda não vividos.
sensibilidade é uma espécie de estado de disposição da alma que nos leva a compreender o sentido da existência e aponta caminhos a seguir. Estão presentes nessa capacidade de entender a vida elementos de intuição e de afetividade.
Com a intuição olhamos em volta, fazemos as relações entre as coisas e tiramos conclusões sobre o melhor caminho a seguir, isto é, declaramos para nós mesmos o conhecimento certo.
Com a afetividade sentimos na alma e no corpo a resposta de uma ação em forma de padecimento ou de contentamento, o que nos auxilia no ato da escolha da direção a tomar.
Consciente dessa capacidade de ver o mundo e de vislumbrar sua face brilhante, cada pessoa cria disposição para se abrir ao outro. Estabelece um círculo de benefícios que se desemboca em forma de saber lidar com aspectos de ternura em que a vida se satisfaz na simplicidade, pois “[...] a vida é um tesouro sempre cheio de coisas a dizer [...] onde se cruzam as múltiplas entradas do mundo”como proclamou o filósofo francês Merleau-Ponty (1908-1961).
Nesse exercício, a sensibilidade vai se constituindo em potencialidade criativa capaz de fazer surgir novos campos de interesse. Esses novos interesses, desconhecidos no momento, são ainda prefigurações. É algo em processo de formação, mas que vai se revelando inteiramente no fazer-se, como na expressão de um poema do poeta espanhol António Machado (1875-1939), que condensa um dos aspectos essenciais da sua forma de ver, entender e viver:

Caminhante, as tuas pegadas / São o caminho e nada mais; / Caminhante, não há caminho, / O caminho faz-se ao andar.

sensibilidade, assim, está no nível das operações sensíveis do homem.
Na medida do desenvolvimento de uma vida atenta às condições do tempo presente e do espaço em que vivemos, temos condições de melhor receber sensações, de reagir a estímulos e de compreender as formas mais adequadas ao progresso interior que nos faz agente do bem e do belo, como no aconselhamento do poeta Vinicius de Moraes (1913-1980), em seu Samba da Benção:
 

 
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração.
                     [...]
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 31/07/2018
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