Sonho Caminhante do tempo, o homem avança por veredas na direção do infinito. Ele revolve barreiras e envolve-se em embates mais diversos e segue vezes firme, vezes confuso e, noutros momentos, retrocede ou dá saltos de conquista ao criar afabilidades que fazem a vida ficar mais alegre. Nesse trajeto do homem vivendo, contentamentos mil acontecem e um mundo imenso de sofrimento é gerado. Danos tão grandes, aleatórios ou programados, surgem e impedem que o cântico de esperança se desenhe plenamente na alma de cada pessoa. A vida tem sido assim, um misto de dores e alegrias, encantos e desencantos e é nesse contexto que o sonho se impõe e se torna sinônimo de esperança, na forma da expressão do poeta inglês Alexander Pope (1688-1744): “[...] a esperança brota eterna no peito humano”. É o sonho que age sobre nós e nos põe em movimento apesar dos contratempos desestimuladores. Isso nos faz lembrar aqui o pensamento do historiador norte americano William Hardy McNeill (1917): [...] o que move a história é a ambição humana de alterar a nossa condição para que coincida com nossos sonhos. Vendo desse modo, o sonho escapa daquela áurea poética que envolve os devaneios instalados inteiramente na alma, na forma da doce expressão do poeta português Fernando Pessoa (1888-1935): Tenho em mim todos os sonhos do mundo. O sonho aqui encara o mundo, seus atrativos e suas desordens e, por isso mesmo, este tipo de sonho requerido é temporal e espacial. Cada indivíduo e cada sociedade têm seus próprios sonhos e modos específicos de aventurá-los e eles, os sonhos, se abrem a diferentes desejos: de vida eterna, felicidade neste mundo, riqueza, segurança, amor, fama, casa própria, e assim por diante. Submetidos a contingências temporais e espaciais, os sonhos podem ser grandiosos (busca de um mundo melhor para a raça humana) ou podem ser pequenos sonhos (conforto cotidiano, vida melhor e limitada para nossa família). Um ou outro sonho, grandioso ou pequeno, o que interessa para a vida é que as fronteiras dos sonhos se alarguem alimentadas pelas virtudes construídas num tempo anterior. Alargar sonhos é manter vivos os interesses na busca de sua realização. E aí há um esforço a se fazer porque o sonho somente ganha força alegórica se for resultado de conquista: evitei danos maiores para o social (sonho grandioso), possibilitei um conforto melhor para a família (sonho menor), mas um e outro são conquistas. Receber sem esforço é está na passividade dos que não constroem e não têm sonhos. A certeza que se apresenta é que o sonho tem uma geografia e uma cronologia, realiza-se no concreto da existência do sonhador e se alimenta de um passado que rompeu barreiras e trouxe para este momento tudo que temos no presente. Desta base, a expectativa do futuro é estabelecida. O futuro é a morada do sonho, mas suas raízes se enlaçam no passado, porque nada é começado de um marco zero. Veja-se o movimento revolucionário francês de 1789, esse movimento deu excessivo valor ao futuro, na esteira do iluminismo (ação cultural da elite do século XVIII na Europa) e abandonou as experiências de séculos anteriores, considerando-as momento de trevas da humanidade. Influenciado por essas ideias, o olhar só voltado para o futuro impede a alma de auscultar os modos como sonhos do passado aconteceram e se fizeram realidade. É como se nossos avós e país não tivessem nenhuma importância para nós. Nisso a exemplaridade não acontece e o mundo novo do futuro sustenta-se na impossível autonomia de começar do zero. E aí tropeçamos mais facilmente porque os sonhos já não alçam voos apoiados nas experiências anteriores, perdem a suavidade e precipitam-se no desconhecido. É preciso ganhar consciência de que a inspiração inicial que faz o sonho aparecer é um instante mágico. E os momentos mágicos não duram, mas é necessário cultivar os sonhos como o fazemos com as flores de nosso jardim, e de tal modo que eles (os sonhos) se tornem parte da vida cotidiana, da rotina diária do processo de viver, onde o passado alimenta as esperanças do presente e este estimula conquistas no futuro, como na expressão tirada do texto O Princípio Esperança, do filósofo marxista alemão Ernst Bloch (1885-1977): O sonho quando é sonho diurno, de olhos abertos, permite ao homem lançar-se para o futuro, buscando o não existente, mas que poderá existir, dependendo de seu engajamento para que se torne real. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 01/08/2018
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