Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


A Indiferença
 
Estamos vivendo agora neste espaço social possível. Este espaço e não outro é a nossa morada. A escolha inicial dessa morada não foi de nenhum de nós em particular, mas do acaso. E aqui estamos! E aqui organizamos nossa vida social! O mundo social de amanhã, este sim, poderá ser reinventado. Quem garante isso é a verdade colhida pela racionalidade ao observar o movimento social em volta e se perceber a existência de conquistas, de avanços nos direitos, a indicar melhor modo de existir e conviver.
Esse olhar que percebe agora certo equilíbrio e beleza acontecendo na vida social é o mesmo olhar que vislumbra possibilidades de sua melhoria no futuro. Isso ocorre por inclinação do desejo imanente de cada indivíduo, aquilo que está inseparavelmente contido em sua alma, ou por determinação da consciência histórica, como resultado do desejo nutrido no espaço social, nesse interesse de equilibrar os direitos e deveres instituídos.
Pode ocorrer que alguém entenda que nada necessita do outro. Seja porque pode comprar todos os bens de que precisa, seja porque não se interessa pela maioria desses bens tão avidamente desejados por muitos.
De juízos semelhantes a esses nasce a indiferença.
A questão que se põe aqui é se no mundo social é possível a liberdade da vontade de forma absoluta, ali onde o indivíduo sobreviveria inteiramente isolado do outro. Não sendo possível isso, porque não há experiência humana que não se dê coletivamente, imersa em sociedades específicas e instruída pela tradição cultural que as anima, o primeiro dever do indivíduo é viver com os outros. Nessa interdependência, a solidariedade se ajusta melhor como fundamento de vida de que a indiferença.
Nós nem podemos cultivar ou aplaudir a indiferença porque Terra e a humanidade formam de fato um todo indivisível. É significativo atentar para o que declarou Eugene Cernan, o último homem a pisar na Lua em dezembro de 1972: De lá de cima não são perceptíveis as barreiras da cor da pele, da religião e da política que lá embaixo dividem o mundo.
A indiferença é uma atitude de abstração, uma situação na qual o indivíduo retira sua atenção de tudo que o cerca e volta-se para seus próprios pensamentos e interesses. É um alheamento. Esse gesto resulta em todos esses danos que sofremos, porque se distorce o natural caminho que produziria a solidariedade, como no exemplo a seguir, em que o mundo está desabando e todos que podem minimizar a desordem pouco fazem, escondem-se na indiferença: O Brasil é o país com o maior número bruto de homicídios no mundo, ocupando o sexto lugar quando considerado a proporção em relação ao tamanho da população do país. E os jovens, em sua maioria crianças e adolescentes, meninos, ocupam uma parcela desproporcional dessas mortes, sem que isso vire um escândalo público nacional, escreve Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil, em artigo publicado no jornal Valor, de 03-09-2012.
Onde está o Congresso Nacional que não ouve o clamor das ruas? Esse descaso deixa a corrupção, que consome os recursos públicos, ser tratada com a doçura da lei, enquanto penas severas batem nas criancinhas que não sobreviveram porque lhes faltou assistência, não brincaram porque a fome impediu, não se encantaram com o mundo da leitura porque a escola de qualidade não existiu. 
O dramaturgo alemão, Bertolt Brecht (1898-1956), resume essa tragédia em seu poema A Indiferença:
 
Primeiro levaram os negros, mas eu não me importei com isso.
Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários, mas nem liguei,
pois não era operário.
Depois prenderam os miseráveis.
Não me atingiu, porque não sou miserável.
Depois agarraram alguns desempregados, mas como tenho emprego, não me importei.
Mas agora... agora estão me levando. Já é tarde.
Como não me importei com ninguém,
ninguém se importa comigo também.

O mundo de hoje está cheio de dores. Está passando da hora da reinvenção de um novo mundo social, para que o amanhã seja mais saudável. Como começar? O passo inicial é extinguir a indiferença que cada um de nós carrega, e logo veremos que a solidariedade se apresentará.
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 01/08/2018
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras