A Compaixão O homem é um animal que pode experimentar sentimentos e exprimi-los. Pode vivenciar esses sentimentos sem exprimi-los ou, seu inverso, pode exprimir sentimentos sem vivenciá-los. Existe uma variação complexa de como o sentimento atua em cada um de nós, diferenciando-se, também, em intensidade: somos mais determinados, menos arrojados, mais ou menos ativos. Conforme ensina o sociólogo alemão Georg Simmel (1858– 1918), os sentimentos são efeitos do modo de vida, da maneira de ser de cada um de nós. São os comportamentos que traduzem nossa forma de agir ou reagir em face da existência do outro. Isso significa que estamos nos figurando, compondo nosso perfil de modo que possamos ser reconhecidos não pelo ser genérico que somos – homens –, mas pelo jeito que somos: alegres, retraídos, afáveis, rudes. Em tese, agimos sob o comando de necessidades, mas colorimos nossa ação com sentimentos próprios formados ao longo da vida. É em razão desse envolvimento sentimental que nós nos diferenciamos no modo de querer e fazer. A compaixão é um sentimento e ganha sua complexidade porque é formada ao longo de experiências individuais, resultantes desse mar de acontecimentos vividos por todos nós. A função básica do sentimento de compaixão seria a de despojar (retirar – eliminar) a dor alheia do que ela tem de pessoal, única, individual. A dificuldade é saber quem está possibilitado com segurança para interpretar a necessidade ou a dor de quem padece. O perigo de tomar compaixão como simples ato de auxílio e assistência é transformar esse sentimento em mecanismo de coerção, docilização, submissão, o que faz o auxiliado perder valores pessoais, sua autoestima, a confiança em si mesmo, aumentando o poder do doador, que se converterá em senhoril, dominador ou virtuoso. Tempos afora, temos visto isso. Muitos se tornam compassivos (doadores), menos para fazer o outro soerguer, encontrar seu próprio caminho, mas, sobretudo, para impedir sua liberdade de decidir, de se transformar em sujeito de sua vontade. É nesse sentido que o pensador alemão Friedrich Nietzsche (1844 –1900) afirma: “Compadecer-se equivale a depreciar”. Essa compaixão que deprecia o outro é uma crueldade. Reagiu a essa compaixão cruel Sua Santidade, o 14º Dalai Lama, Tenzin Gyatso (1935), ao incluir, no corpo de sua teoria da compaixão, o seguinte argumento: “A compaixão não torna mais humano ou virtuoso o compassivo, ela simplesmente nos iguala com quem padece”. Essa atitude ressignifica o conceito de compaixão. Ela se legitima como uma solidariedade, nega a feição de pena e de apego e faz surgir seu fundamento maior, ser preocupação com o outro, consciência de que todas as pessoas têm direito à felicidade. Esse, aliás, parece ser o espírito do texto bíblico: “Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará” (Mateus 6:1-4). Percebe-se agora que existe qualquer coisa de sublime nesta variante de compaixão como solidariedade, nela existe a presença da amizade, da igualdade, da confiança, do gesto que humaniza o compadecido e aquele que padece, porque o benefício da compaixão (o gesto da doação) compensa igualmente os envolvidos (doador e donatário) ao celebrar o reconhecimento de que todos nós temos direito à felicidade: viver com dignidade, ter liberdade de decidir conforme sua vontade, levando em conta as possibilidades ofertadas pelo tempo-espaço. A poetisa de Goiânia, Cora Coralina (1889 – 1985), ajuda a entender um pouquinho mais o significado que o vocábulo compaixão proporciona: Se temos de esperar,
que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida. Se for para semear, então que seja para produzir milhões de sorrisos, de solidariedade e amizade. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 01/08/2018
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