Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


A Experiência
 
Nascemos no compromisso de viver.
É como se preexistisse na alma de cada um de nós um motor, uma premissa nos obrigando a procurar manter a vida. Um dado valioso advém dessa condição, é o reconhecimento de nossa fragilidade. Em razão disso, temos de desenvolver esforços para garantir o atendimento de nossas necessidades fundamentais, a exemplo da fome, saúde, moradia, lazer, entre outras. Ainda mais, temos de possibilitar a formação de um ambiente favorável ao bem-estar de todos, numa espécie de direito de terceiro grau, como a manutenção de uma biodiversidade equilibrada e de um mundo sem conflitos radicais, na forma inspirada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu Artigo III: Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Nessa consciência, estamos confirmando a existência de uma vida prática de cada um de nós, num esforço para vencer obstáculos e instituir permanentemente o novo. É preciso fazer isso sem abandonar as conquistas anteriores, atualizando-as para o reuso no presente, de modo a crescer o potencial de gozo desejado para a vida social, na possibilidade do desenvolvimento da autonomia dos sujeitos na organização de seus próprios projetos, independentemente dos contratempos.
A experiência nasce dessa dinâmica, surge desse envolvimento gerador de sujeitos ativos voltados para alcançar, intencionalmente, objetivos traçados, no condicionamento de interesses sociais de seu tempo.
Nesse sentido, a experiência aparece no corpo de resultados da ação humana, nesse gesto de elaborar, a cada momento, um quotidiano mais suave para o mundo onde vivemos. É como se cada um de nós fosse seduzido por outro instante mais saudável que o agora, não naquela forma atordoada das mariposas a se debaterem nas luzes da cidade, mas no jeito tranquilo do timoneiro a conduzir o navio ao porto seguro, guiado apenas pelo brilho das estrelas.
Na verdade, somos um ser lançado na história carregando uma espécie de carência estrutural, pois, enquanto preenchemos uma dada lacuna, logo produzimos uma nova necessidade a ser atendida, numa espécie de repetição sem fim. Essa condição de carência permanente indica nossa forte ligação a um tempo-espaço condicionante de nossas ações, fonte fundamental de nossa experiência e raiz das perspectivas orientadoras de nossa caminhada. A direção de nossa jornada se sustenta, assim, nessa base formada pela experiência realizada ao longo da vida, ali onde aprendemos a lidar com dificuldades e ultrapassar barreiras.
Reconhecer essa necessidade de orientar-se no fluxo do tempo é um dever de cada pessoa, porque somos sujeitos e precisamos assumir essa condição obrigatoriamente, posto que há sempre algo novo se apresentando a cada momento, a estimular nossa busca de atualização, a construir um novo quadro mental, sem o que nossa estranheza ao moderno nos levaria ao atraso, afastando-nos dos projetos de nosso tempo e anulando nossa personalidade individual. Não há modo de fugir desse encontro: a vida é mesmo experiência e é preciso considerá-la bem, enfim, nossa vida e a vida da sociedade estão nesse jogo de existir ou desaparecer.
Contemplar a experiência é perceber os homens agindo, mas esses homens da ação são os mesmos a se tornarem passivos numa determinada situação, e, por isso, necessitam de orientações para garantir sua caminhada. Esse é o processo que se compreende como dialógico, um intercâmbio de ideias, um momento no qual cada um expõe seu ponto de vista e oferece ao outro os conteúdos de sua experiência, por isso é virtuoso saber ouvir, auscultar o mundo em volta. Aproveitar ou não essa oferta é uma decisão individual. E onde estão estes conteúdos? Eles estão todos no seio da Família, Escola, Igreja, Pátria, no social construído no talento do tempo passado e presente.
O quadro social, instituído a partir da experiência da vida ativa dos homens do passado e do presente, compõe nosso patrimônio cultural e é todo esse processo histórico das coisas realizadas ao longo do tempo que nos revela quem somos: o homem é cultura, tempo, espaço, história - porque é experiência.
No tempo presente, há um cuidado adicional a se tomar. Estamos vivendo um tempo de mudanças na velocidade da luz, o presente passa rápido e o amanhã parece nada ter a ver com o dia anterior e isso empobrece demasiadamente nossa experiência. Se esse laço entre o ontem e o hoje perde sua força, nosso olhar para o futuro se perturbará: sem considerar a experiência do passado, o presente fica frágil e o esperado futuro alentador da vida nova torna-se ameaçado.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 02/08/2018
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