A Coragem Fazemos uma viagem enquanto vivemos. A navegação nem sempre é tranquila. Somos surpreendidos por intempéries mais diversas em grau maior ou menor. Mal superamos uma dificuldade, logo surge outra. Nesse debater, temos de nos socorrer de mil artifícios para não se deixar vencer, é que algo de fundamental nos impõe como obrigação: ter de viver. Várias questões advêm desse movimento na busca de manter a vida. Há duas que são básicas: para onde nos dirigimos e com que finalidade nós fazemos isso. Muitas são as respostas a esses problemas. E disto cuida cada um nós ao tocar a própria vida, dado que, em regra, não andamos de forma aleatória. Envolvem-se, ainda, nessa busca de respostas, as ciências, as filosofias e as religiões. O fato é que são diferentes saberes apontando caminhos, reelaborando trajetos, justificando ações e, essencialmente, todos esses conhecimentos concordam que a jornada para viver não está traçada por princípio, não é uma oferta gratuita recebida ao nascer. A marcha é uma construção realizada no caminhar, tomando-se como base inicial o nosso tempo-espaço e a experiência construída e posta como herança para as gerações seguintes. É preciso, assim, procurar conhecer um tempo anterior, dominar aspectos do tempo presente e, com esta provisão, marcar um ponto no amanhã onde desejamos chegar. A coragem surge dessa dinâmica que quer fazer a vida continuar existindo, mais do que simplesmente existir, viver em dignidade, com a decência que as conquistas históricas da ética e da economia permitem, como anuncia aArtigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10-12-1948: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação aos outros com espírito de fraternidade". Nesse sentido, a coragem, é destemor, é habilidade de enfrentar as incertezas. Acolher esses sentidos é predispor o espírito a cultivar esperanças e determinações, como na expressão do cineasta francês Jean Cocteau (1889–1963): “Ele não sabia que era impossível. Foi lá e fez”. Essa justificação de Jean Cocteau já responderia sozinha a questão central: porque precisamos de coragem. Vale, contudo, considerar outros aspectos. De modo amplo, nós precisamos de coragem porque temos de contribuir para minimizar as injustiças sociais largamente disseminadas em nossa sociedade. A ideia é munir-se de certo ânimo para cuidar de nós mesmos e melhor proteger os bens úteis já em uso e resguardar as riquezas naturais (rios, oceanos, matas entre outras), num reconhecimento de que há muito a se fazer para dotar nosso mundo de um grau melhor de convivência, onde a desigualdade entre as pessoas seja menos alarmante. O que ocorreu para acontecer essa disparidade tão forte entre as pessoas? O projeto social da modernidade, este mundo modificado a partir dos movimentos revolucionários Inglês (Século XVII) e Francês (Século XVIII), fundamentalmente, criou essa instabilidade vivida atualmente. Há uma espécie de vazio social de um mundo que perdeu o rumo na direção das promessas de eliminação da injustiça social e da promoção da fartura a ser distribuída equitativamente. O medo de viver se estabeleceu? Não inteiramente. A confiança perdida no modelo desenvolvido pela modernidade, longe de desesperançar de forma radical a caminhada em busca de um novo mundo, fez surgir novas formas de ver. Apareceram novos modelos de ação fundados em padrões reelaborados a partir de sensibilidades humanas como as do teólogo Leonardo Boff (1938 -), em artigo de 02-10-2011, na revista Carta Maior "[...] a vida tem mais futuro que a morte e que um pequeno raio de luz é mais potente que todas as trevas de uma noite escura [...] basta por na alma muita coragem". Nesse momento de pura incerteza gerada pelo mundo moderno, tudo faz parecer que chegamos ao final da estrada. Pensar assim é esquecer a história. É desconhecer que o mundo social tem passado por dramas profundos em tantos outros instantes e conseguiu superar, em boa medida, muitas dificuldades: quanta dor individual e coletiva já se padeceu, quantas esperanças foram perdidas e quantas novas saídas geniais surgiram das cinzas do tempo desastrado... É como se nos problemas estivesse implícita a fonte de novas forças, numa espécie de âncora onde nós nos agarramos, ainda que por puro instinto, para cumprir o dever essencial de viver em plenitude. A lição é nunca desistir em face dessa obrigação originária de ter de viver. Nesse compromisso, uma boa ação é auscultar experiências. Ouvir vozes que repercutiram na sociedade, a exemplo do político, estadista e escritor Winston Churchill (1874-1965), ao ressaltar o valor primordial da coragem: "A coragem é a primeira entre as qualidades humanas, porque é a qualidade que garante todas as outras". Ter coragem, pois, é recusar que tudo esteja perdido, é reorganizar-se a cada passo para se encontrar estímulos novos para se continuar a jornada de viver e poder enxergar em horizontes distantes luzes à frente, lá onde a vida possa se realizar sem tantas angústias e tantos desencontros. Ter coragem é viver em esperança. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 02/08/2018
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