Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


A Melancolia
 
 
Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim

Não sei se me explico bem
Eu nada pedi
Nem a você nem a ninguém
Não fui eu que caí

Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar

(Meu Mundo CaiuMaysa)
 
 
Maysa Figueira Monjardim (1936-1977) foi um dos nomes mais importantes da música brasileira. Os críticos falam de seu inconfundível timbre aveludado, aliado à melancolia de suas composições. Soube conquistar fãs mundo afora e até hoje acalanta corações em desalinho.
Está presente em Meu Mundo Caiu a ideia de que algo foi perdido.
Esse é o sentimento que surge quando falamos em melancolia.
Para perder algo nós, primeiramente, temos de possuí-lo.
Possuir resulta de uma ação de busca. Todos nós, em tese, desenvolvemos um dado esforço para conquistar bens materiais e imateriais: nossa casa e seus utilitários, nosso saber escolar e suas possibilidades de enriquecer a alma.
Nesse exercício de viver sobrepomos em tudo que realizamos um pouco de nossa energia. Ao que parece, em tudo que nós tocamos, na casa construída por nós, nas amizades feitas, no amor cultivado, em tudo fica o afeto, o laço de reconhecimento a que nos apegamos.
Nosso mundo, então, é aquilo que construímos com afeição, ternura, e fazemos isso em companhia de outros. Nossa rede de afeto se amplia no compartilhamento da ação de viver.
E se nosso mundo cai?
E se algo que realizamos com tanto carinho, que parecia ser eterno, a contragosto desaparece?
A dor vem.
O mundo de cheiros, sons e cores que dava razão ao riso perde consistência.
A melancolia toma conta do sujeito e a vida se envolve num desânimo profundamente penoso: cessa o interesse pelo mundo externo, perde-se a capacidade de amar, esvaece o interesse por toda e qualquer atividade e diminui severamente o sentimento de autoestima.
A vida desaba. A vida fica desertificada:
 
Meu mundo caiu
E me fez ficar assim.

 
Aquele ponto de apoio que se construiu para a vida leve simplesmente se ausenta e o sujeito se desgoverna. É que nós só nos reconhecemos porque nos ligamos a seres amados. A perda de um valor, de uma ideia, de um amor é a desilusão da experiência.
A vida, no entanto, é maior que a dor:
 
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar.
 
Se nós temos o dever de fazer a vida continuar, havemos de desenvolver o esforço para saber renunciar àquele apego que nos fez ser melancólicos, encontrando modos de restabelecer o encanto de viver.
Dorival Caymmi (1914-2008), de seu jeito, nos ajudou a entender essa questão, em seu poema Coqueiro de Itapoã:
 
Coqueiro de Itapoã, coqueiro
Areia de Itapoã, areia
Morena de Itapoã, morena
Saudade de Itapoã, me deixa.

Oh vento que faz cantiga nas folhas
No alto do coqueiral
Oh vento que ondula as águas
Eu nunca tive saudade igual
Me traga boas notícias daquela terra toda manhã
E joga uma flor no colo de uma morena de Itapoã
.
 
Em Maysa, o caminho para se livrar da dor da melancolia foi se desapegar radicalmente do bem amado, colocando em seu lugar a decisão de que encontrará uma saída: Se meu mundo caiu / Eu que aprenda a levantar. Diferentemente, Caymmi não se afasta inteiramente do objeto de amor, a Bahia, distancia-se fisicamente dela, mas cria um mensageiro que lhe recompõe, rotineiramente, sua saudade e, generoso que é, obriga o vento, em toda manhã, trazer notícias da boa terra e deixar [...] uma flor no colo de uma morena de Itapoã.
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 02/08/2018
Alterado em 24/09/2018
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