Viver É Preciso
Navegar é preciso; viver não é preciso. Esta é uma frase de Pompeu, general romano – 106-48 a.C. – dita aos marinheiros amedrontados, que se recusavam viajar durante a guerra.
Esta ideia foi aproveitada pelo poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) em seu genial poema Navegar é Preciso, que quis para ele o espírito da frase de Pompeu: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. Fernando Pessoa escreveu este poema com a alma acolhendo um tempo remoto, em que Pompeu, no comando de algumas empreitadas bélicas, venceu com tranquilidade grandes batalhas e nisso se fez general, senador e cônsul de Roma.
Nessas lutas comandadas por Pompeu importava a vitória, valia o domínio de rotas comerciais para o abastecimento do estado romano. A vida nesse mundo social era simples instrumento para se alcançar a vitória do Estado. Sem isso, não haveria glória em ficar vivo. Vivíamos um tempo em que direitos individuais não eram consultados. A prestação de serviço ao Estado constituía-se num dever irrecusável. O mundo da expressão de Pompeu – “Navegar é preciso; viver não é preciso” – não é o mesmo mundo de Fernando Pessoa, quando afirmou: “Viver não é necessário; o que é necessário é criar”. Há uma distância de dezoito séculos entre o general Pompeu e o poeta Fernando Pessoa. Nos tempos de Pompeu, o império romano estava fortalecido e todo o seu esforço político estava voltado para manter a unidade dos domínios imperiais. Nos tempos de Fernando Pessoa, desenvolvia-se o século das luzes, a era do racionalismo, da crença no progresso do espírito humano e da história como caminhos para a civilização e para a felicidade. Era o momento da transição dos antigos regimes dos impérios inglês e francês para o sistema capitalista, bases que fizeram surgir o comunismo marxista (Karl Marx, 1819 – 1883), apontando para uma sociedade igualitária, sem classes sociais e com sua propriedade comum a todos. Assim agindo, na forma de Pompeu ou de Fernando Pessoa, a vida humana conseguiu ganhar sensibilidades, a exemplo da esperança, da probabilidade, da perspectiva. Presente nesta ideia se percebe um interesse em algo maior do que o indivíduo. De um lado, é o Império Romano que precisa ser salvo (Pompeu), do outro lado, é o processo civilizatório que deve ser procurado (Fernando Pessoa). Criar, como deseja Fernando Pessoa, é impedir a inutilidade da vida, fazendo-a venturosa, ainda que para isso [...] tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo [...], o que possibilita o desenvolvimento da capacidade de cada indivíduo nessa busca de aperfeiçoamento das relações sociais. No poema de Fernando Pessoa, há qualquer coisa de autodoação estimulada por uma possibilidade da grandeza coletiva resultantes das conquistas ideológicas dos tempos modernos, onde se instalaram a fé no bem-estar humano (socialismo) e na liberdade (democracia capitalista). Toda essa autodoação já não dói na alma porque esse tempo moderno cultivou valores maiores que justificam todas nossas ações: o progresso da civilização e a felicidade, ou, como afirmou Fernando Pessoa: Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade. Fernando Pessoa acolheu a ideia de Pompeu de por a vida individual a serviço da vida coletiva e retemperou essa ideia com os arranjos de um novo tempo que precisa criar, desenvolver, progredir.
Apesar de Pompeu e Fernando Pessoa, viver é preciso para se poder navegar e criar. Pompeu e Fernando Pessoa apenas aclamaram o dever de navegar e de criar como sendo mais um dos fundamentos da vida. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 02/08/2018
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