As Terras Do Sem Fim Um espaço imaginado. A saga do cacau no sul da Bahia gerou valores, concepções, sentimentos e relações sociais específicas e formou essa sociedade identificada como grapiúna. Jorge Amado (1912-2001), com sua imaginação privilegiada, preestabeleceu uma visão da história local, pela rica dramatização que conseguiu dar ao material social daquelas lutas travadas nos idos tempos do final do século XIX, até os anos 30 do século XX, ao ressaltar os tempos dos primeiros empreendedores, as dificuldades enfrentadas por eles e ao perceber as ambições que estimularam esses pioneiros a agir. Estamos frente a uma reflexão sobre o social no sul da Bahia que revelou práticas reproduzidas no dia a dia de cada pessoa, configurou feições que vão dando corpo a um jeito de ser dos homens envolvidos no desbravamento das terras para o plantio do cacau. Nessa reflexão, Jorge Amado traçou linhas de uma cultura se formando, reconheceu existência de esforços simbolizados no brilho do amarelo do cacau amadurecido que transmitia a certeza de sua transformação em riqueza e poder. É encantador ver surgindo pessoas, na sua individualidade, vivendo um cotidiano particular, reproduzindo a si mesmo e fazendo surgir laços com outros sujeitos e terminando por compor um núcleo de coexistência, que passamos a chamar de sociedade, estabelecendo uma dinâmica realimentadora, em que o individual já não existe sem o social e nem este sem aquele. A existência da sociedade é, pois, um substrato da vida de cada pessoa, que vai se organizando em conteúdos e estruturas diferenciadas, localizando-se em distintas esferas do social, de onde as ações concretas surgem em busca de realizações de interesses definidos, num campo de possibilidades que se alternam entre a concordância e o conflito. A narrativa amadiana, As Terras do Sem Fim, é uma interpretação dessas experiências sociais vividas no sul da Bahia e revela os tempos tomados em nexo com a ação concreta do homem, na ordem natural dos acontecimentos. Nesse lugar, espaço da morada do homem, é também o espaço de sua cultura, gerador das permanências e das mudanças que fizeram as transformações das matas em roças de cacau. Jorge Amado soube ver, como poucos viram, esse admirável mundo novo do sul da Bahia e, por isso, quis polir o talhe e as feições da individualidade que vai se esboçando no viver do povo, para usar palavras de seu patrono na Academia Brasileira de Letras, o romancista José de Alencar (1829-1877). Esse olhar amadiano foi se refinando na universidade das ruas, cercado do povo, nas praças, nas feiras livres, nos cais dos portos, nas rodas de capoeira, nos candomblés. Desse modo, sempre misturado com o povo, ele aprendeu tudo quanto sabia, como declarou numa de suas entrevistas: eu me alimentei do povo e, se alguma virtude tenho, devo a esse povo. Dessa base, Jorge Amado soube ouvir as vozes de uma região em luta pela posse da terra: Trago dentro de mim os ecos da grande epopeia e também os lamentos lancinantes dos trabalhadores curvados nas roças, numa vida de bestas de carga (Trecho de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras em 17-07-1961). A alma em chama, respondendo a esses tempos de grandes transformações, Jorge Amado escriturou Terras do Sem Fim em 1942, bem no auge da Segunda Guerra Mundial. As terras do sem fim são uma espécie de outro mundo, amplos espaços de matas do sul da Bahia para onde a febre do cacau arrastou homens na aventura de riqueza. Tempos bravos que exigiam coragem sem limite. Eram tempos de morte e de luta. Essas lutas, essas conquistas e derrotas, esses amores e esses desencontros são o tema de Terras do Sem Fim. São a descrição do último grande momento que fez as indomáveis matas do sul da Bahia virarem roças de cacau, tornando-se fonte de riqueza e poder, alimentado pelo sonho do encontro com o [...] ouro que nasce nas terras de Ilhéus, da árvore do cacau [...] – Terras do Sem Fim. A narrativa de Terras do Sem Fim faz cada leitor sentir-se desbravador, ao se envolver com a mata do Sequeiro Grande, intocada no seu sono eterno, imensa, que seduziu os coronéis a um mundo sem limites. Mundo cheio de mistérios, com seu espaço em matas indefinidamente prolongado para além do véu de seus troncos e folhas. Esse espaço transcendeu à Geografia e se fez em berço para outros dramas do homem, na busca de riquezas, poder e obediência, território demarcado pela ideologia da ambição do domínio, alimentada pela percepção funcional do espaço: Via o campo cultivado de cacaueiros, as árvores dos frutos de ouro regularmente plantadas, os cocos maduros, amarelos [...] nada mais belo no mundo [...] – Terras do Sem Fim. Jorge Amado criou um mundo real no interior de Terras do Sem Fim. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 02/08/2018
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