O Quinze – O Romance Da Seca Ver de novo a tragédia humana no Sertão Nordestino é testemunhar o desprezo das forças políticas nacionais àqueles que mais precisam de atenção. Vimos isso acontecer novamente neste primeiro semestre de 2012 e a dor maior é saber que esse fenômeno do baixo índice pluviométrico (a seca), tantas vezes repetido no registro histórico, voltará acontecer e de novo os poderes políticos das tribunas refrigeradas se espantarão e, criminosamente, ficarão no espanto. A alegação de que o País não tem recursos para implementar obras estruturais para superar as dificuldades da seca nordestina é mentirosa. Enquanto se morre de sede e fome no Sertão Nordestino por falta d´água, recursos bilionários brotam com facilidades dos cofres do Governo para construção de campos de futebol para a Copa do Mundo FIFA 2014. Arranjos legais são construídos no Congresso Nacional para nada faltar à festa do futebol e o Supremo Tribunal Federal-STF não enxerga nenhuma imoralidade nesse processo. Por tudo isso, não é de se estranhar a afirmação de Marco Antonio Villa (1948), no livro A História das Constituições Brasileiras (1ª edição de 2011): "O STF é um guardião muito frágil da Constituição". Verdade! A nossa Constituição de 1988 é rasgada já no Artigo 1º: A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamento: III – a dignidade da pessoa humana. Ter consciência desse procedimento vergonhoso, onde a festa merece mais atenção que a fome, é vivenciar a dor e a suprema injustiça. Não há como deixar de emitir um grito de descontentamento a toda voz, como o fez Castro Alves (1847-1871) em sua poesia épica O Navio Negreiro: Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... Chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ... Sem forças para influir, sem formas de colaborar para corrigir tão injusta situação, quis auscultar gritos que vieram de longe. Reli O Quinze de Rachel de Queiroz (1910-2003), publicado em 1930. Foi o seu primeiro romance. O título se refere a grande seca de 1915, vivida pela escritora cearense em sua infância.
O sofrimento está em cada frase do Romance, em cada expressão e de tal modo que Chico Bento e sua família, expulsos pela seca e pela dona da fazenda, empreenderam uma caminhada desastrosa em direção a Fortaleza. Atordoado, vendo os filhos passando fome e nada havendo que pudesse amenizar o sofrimento, Chico Bento se queixa a sua companheira: "Deus só nasceu pros ricos!" (O Quinze). É o desalento supremo da alma. Olhar em volta e não reconhecer nenhum socorro. Caminhar, fugir, ir em frente num vazio de não saber o que fazer... Caminhar empurrado pela seca, numa espécie de migração forçada, desqualifica o sujeito que nada mais vale, torna-se um entulho ambulante: "Num quintalejo, um homem tirava o leite de uma vaquinha magra. Chico Bento estendeu o olhar faminto para a lata onde o leite subia branco e fofo como um capucho... E a mão servil, acostumada à sujeição do trabalho, estendeu-se maquinalmente num pedido... Mas a língua ainda orgulhosa endureceu na boca e não articulou a palavra humilhante. A vergonha da atitude nova o cobriu todo; o gesto esboçado se retraiu, passadas nervosas o afastaram..." (O Quinze). A humilhação suprema da fome arrasa, destrói a hombridade do sujeito acostumado a retirar seu sustento do labor diário. O trabalhador é transformado em pedinte. Corpo abatido pela fome, alma arrasada pela humilhação de não poder decidir, a vida agora sem riso é somente desgosto e a sociedade toda com seus poderes e suas organizações, da religião à política, tudo é um nonsense, um sem sentido, sem nexo. Toda aquela luta do passado que fazia acreditar, ter esperança no futuro nada mais é: "Chegou à desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos vazios, na descarnada nudez das latas raspadas. - Mãezinha, cadê a janta? - Cala a boca, menino! Já vem! - Vem lá o quê!...Angustiado, Chico Bento apalpava os bolsos... Nem um triste vintém azinhavrado..." (O Quinze). O jornal Cearense na edição de 26 de abril de 1877, com o título “Secca” publicou: “Estamos a braços com uma secca, que será muito mais dannosa e fatal que a de 1845, em que, aliás, muita gente sucumbiu à fome.” Vergonha! De novo, neste ano de 2012 do governo de Dilma Rousseff (1947), estamos falando em aprofundar o tema da seca, entender seus efeitos e intervir em seus desdobramentos. Mentira! Num passado distante, vimos D. Pedro II (1825-1891) expressar sua preocupação sobre a seca de 1877: "Quando soube da tragédia, fui visitar a região e pela primeira vez não me contive e chorei." Hipocrisia! Nada fez depois do choro. Tragédia sempre anunciada e nunca resolvida. Euclides da Cunha (1866-1909), em seu texto Cruzadas nos Sertões já denunciava esse fato: "As secas do extremo norte delatam, impressionadoramente, a nossa imprevidência, embora seja o único fato em nossa vida nacional, ao qual se pode aplicar o princípio da previsão." A seca acontece todos os anos como fenômeno natural. A miséria da seca ocorre por total descaso e desumanidade de nossos poderes políticos. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 02/08/2018
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