Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


O Efêmero
 
A vida é um permanente transcorrer. A cada dia, a cada momento, algo novo se apresenta à sensibilidade de todos nós. Isso enriquece a experiência individual e faz cada um ser outro no instante seguinte. O homem da história, portanto, é empurrado a se ajustar, a se renovar. O dia imediato sempre apresenta algo novo que precisa ser compreendido e utilizado, pois esse algo novo é resultante das ações elaboradas nessa teia de interesses das pessoas vivendo.
Tomar consciência dessa transitoriedade da vida, desse constante movimento produzido dentro da sociedade, é assumir como dever a busca, o compromisso de querer conhecer e oferecer-se nessa missão de atualizar-se continuamente, num exercício em que se contempla o ontem e o hoje, em face de os sentidos dos atos humanos estarem implícitos nesses fazeres. 
Estamos reconhecendo que o efêmero é a história, é a vida que vivemos configurada em acontecimentos que se dissimulam nesse mural social multicolorido, de dores e amores, nas experiências e interesses que foram se instituindo aqui e acolá, neste e noutros tempos, e estimularam a construção de respostas diversas às questões levantadas pelas sociedades. Lidamos aí, e em razão disso, com discordâncias e concórdias; súbitas atitudes justificadas por sistemas de ideias vigorosas, armadas a partir de cotidianos específicos.
O problema se apresenta exatamente aí: temos de compreender o transitório se quisermos ter um rumo, uma direção que nos anime a caminhar.
Como fazer isso?
É preciso parar o tempo.
Encontrar uma forma de capturar as vontades, as subjetividades que arquitetaram os motivos das ações geradoras daquilo que é válido para todos - as objetividades: os bens úteis como as ciências e tecnologias, usos e costumes, elementos que favorecem a vida e a torna mais ditosa, vibrante. 
Interromper o fluxo do tempo é submeter a princípios as aspirações dos indivíduos e da sociedade, é dominar fundamentos que sustentam a validade lógica dos desejos, como os dogmas religiosos, as teorias científicas, as ideologias. Esses princípios e fundamentos são arquétipos, modelos de todas as coisas existentes a partir dos quais tudo ganha significado.
É preciso, no entanto, observar bem que há qualquer coisa de repouso nesses embasamentos ideológicos, dogmáticos e teóricos. Todos  eles se oferecem ao domínio dos saberes e ganham aceitação no ritual da convivência social, o que  assegura uma certa paz, como na expressão do filósofo francês Gaston Bachelard (1884-1962): “O repouso é uma vibração feliz.
Porém, a mudança existe, tudo nunca para. Em essência, a transformação está presente em cada coisa que há, como na bela imagem de uma expressão presente na capa de um  remoto missal: “A flor está sempre na semente”, como citado por Gaston Bachelard.
É essa força originária que faz o movimento acontecer, que se revela como razão de uma vontade, de um desejo, é essa força que se constitui no efêmero, centelha que ilumina momentaneamente e se dissipa, mas funciona como uma sinergia alimentadora de tantas outras ações.
A ideia é ter consciência desse movimento e saber que, independentemente de consentimentos individuais, as mudanças no social acontecem.
E cada um de nós, no dever de viver, deve exercitar a vontade positiva de acompanhar o movimento de nosso tempo e nutrir-se de suas novas conquistas, no cuidado de reconhecer que assim como o movimento se acelera,  enriquecendo-se no trajeto, esse mesmo movimento, também, se esvazia, perde vigor, muda de rumo e, não poucas vezes, cai em repouso e se empobrece.
Compreender o efêmero, então, é dominar os conceitos prévios que se estabelecem na sociedade e funcionam como constituição dessas ações que fazem surgir o novo, um mundo aberto a vastas perspectivas.
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 06/08/2018
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