O Cotidiano Viver é agir. É na ação que construímos a nós mesmos em experiência e afeto. Dentro desse processo de atuação, desenvolve-se a misteriosa capacidade que temos para fazer as coisas e aperfeiçoá-las, para criar modos sociais e ajustá-los a nossos interesses e necessidades. E quantos duros enganos causadores de sofrimentos todos nós não cometemos nesse caminhar? Existe aí uma grandeza: somos responsáveis por nossas realizações. Olhando o cenário da caminhada histórica do homem, vê-se um mundo de conquistas no plano da saúde, da comunicação e das ideias. Falta muito ainda para se abrir esses benefícios conquistados a toda a sociedade, mas isso não nega que a ação humana tem em si um lado virtuoso, o de nos constituir como sujeitos sociais. Agir traz em si uma ideia de movimento e de compromisso. Esse é mesmo o sentido latino do termo agir. Originalmente, agir vem de agere, que significa ir com os outros. Quando agimos, fazemos isso numa direção. Em tese, buscamos o Bom, o Belo, aquilo que contempla a grandeza da criatura que somos: homens que foram se capacitando a fazer coisas úteis para a sociedade. É o ato de inteligência. Essa acepção ir com os outros do verbo agir ganhou altivez na tradição ocidental, que se resumiu na expressão cristã: Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda criatura – Marcos 16:15.
Vê-se nesta expressão do Evangelho a existência de uma imagem de movimento (ide por todo mundo) e de um corpo de obrigação (pregai o Evangelho a toda criatura). Neste contexto, agir é o ato inteligente que incorpora o princípio da obrigação de produzir benefícios sociais.
Agir é, pois, fazer a vida acontecer: viver é agir. Isso importa compreender que agir é lutar, pelejar, trabalhar, buscar, conseguir: Comerás o pão com o suor do rosto - Gênesis 3:19.
Não se tire dessa expressão o juízo negativo de que o trabalho é uma punição. Ao contrário disso, pelo trabalho o homem se torna criador do mundo social e deve responder por seus acertos e desacertos. Sendo quem somos, esse ser de busca, estamos todos continuadamente recriando este nosso mundo histórico e já avançamos muito no domínio das ciências e tecnologias, mas, ainda estamos grandemente incivilizados no plano das relações éticas. Há ainda princípios básicos atendidos parcialmente: º A liberdade como valor ético central;
º A autonomia dos indivíduos sociais; º Direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; º Ampliação e consolidação da cidadania; º Socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; º Eliminação de todas as formas de preconceito: de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física. O cotidiano é esse viver integral dos sujeitos. Ali onde a vida inteira de cada um se passa em detalhes repetidos, vezes se mostrando publicamente, vezes realizando-se no silêncio privado das intimidades institucionais e dos indivíduos.
A defesa de princípios fundamentais de proteção aos indivíduos é verdadeiramente necessária porque o cotidiano é de uma dimensão tão ampla, infinita mesmo, que não há como normatizar cada ato, cada gesto. O filósofo húngaro Georg Lukács (1885–1971), em sua Estética, fez uma síntese desse universo individual ao afirmar: “[...] é no cotidiano que todas as ações começam e terminam, sendo este, portanto, o locus de toda a vida contraditória do homem”. É nesse sentido que o cotidiano vai para além dos laços domésticos, reservados aos rituais íntimos, não preocupados com a acumulação de riquezas e das representações de poder. Modernamente, o sujeito da vida privada é o mesmo da vida pública, não porque inexistam diferenças entre essas duas esferas de convivência, mas, sobretudo, porque os fins são os mesmos: proporcionar o desenvolvimento social onde se manifestem fundamentos da dignidade humana fortalecidos na ação consciente de cada pessoa. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 06/08/2018
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