Associar – Viver Não estamos sozinhos no mundo. Estamos no espaço coletivo e dependemos dele para viver. O homem vem organizando seu modo de viver de mil formas, inventando bens úteis, que têm melhorado nosso conforto; abrindo-se às possibilidades de diálogo, que beneficiam o projeto coletivo; ampliando o conhecimento sobre as diferenças culturais, que fazem expandir a liberdade; reconhecendo nossa fragilidade e pequenez em relação ao universo, que nos levam a olhar para o alto, ver para além das estrelas e interrogar: De onde viemos, o que somos e para onde vamos? Essa pergunta do pintor francês Gauguin (1848–1903) é uma espécie de fustigação do pensamento, porque sabemos não existir uma só resposta para tal questionamento. Essa é uma pergunta para múltiplas respostas. Somos tempo e espaço. As respostas são sempre elaboradas dentro do tempo e do espaço em que vive o indivíduo. Essas respostas vão acontecendo enquanto o homem inventa seu cotidiano, constitui novos conhecimentos e toma consciência de nossa pequenez. Tudo é de tal modo realizado no plural que, nenhum de nós, isoladamente, tem domínio pleno sobre as diferentes faces e aspectos das múltiplas funções em jogo e as utilidades, em potência, de cada feito, de cada ato. Reconhecer isso é assumir a consciência que temos de acolher a presença do saber do outro. Esse traço de união que nos liga ao outro recebe diferentes nomes: assembleia, círculo, clube, agremiação, família, igreja, estado, entre outras instituições. Essa condição de ser, que não pode viver isolado, impõe, também, outro fundamento que se esconde na individualidade dos sujeitos. Falamos da igualdade, do direito de oportunidade similar a cada indivíduo, independentemente de raça, classe, cor, riqueza, pobreza, religião e ideologia. A igualdade é uma qualificação temporal e espacial. Seu sentido nunca é uniforme, ele se ajusta às diversidades dos tempos e dos espaços, ganha mais significação aqui, é menos considerado acolá, mas é essencial a todos nós. O espaço ocupado por nós se fortalece ou se enfraquece se a ideia de igualdade for cultivada ou desprezada. Cada indivíduo há de se sentir capaz de participar livremente do diálogo que resulta no compromisso da realização de dado projeto de vida elaborado num tempo específico, dentro de seu espaço de convivência: o lar, a igreja, o trabalho, o clube, a nação... Ainda que rude, vale o exemplo retirado do texto O Sistema dos Objetos, do sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1929–2007), para acentuar o valor do indivíduo que se une a outros para sua caminhada: "Em um motor atual, cada peça importante é de tal forma
dependente das outras por trocas recíprocas de energia [...] sem o que sua função de motor não acontece". A diferença essencial é que o sistema humano não é fechado como um motor. Aqui no social, funções, ações, desejos estão separados e, muitas vezes, em confrontos. Mesmo assim, há uma conquista se efetivando no trajeto histórico do homem, ao se reconhecer a liberdade e a igualdade se ampliando em face da aceitação de fundamentos ideológicos se exercitando ao longo dos séculos, através das ideias cristãs, humanistas e dos pensamentos socialistas e do capitalismo social... Considerando todo esse contexto, associar-se é, em primeiro momento, comprometer-se com essa teia de relação que ajuda a viver e, noutro momento, é ser reconhecido como portador de direitos. Nesse jogo de sujeito de direito e de dever é que se forma a base de sustentação da vida individual e dos grupos unidos em associações. Uma das faces mais extraordinárias das associações é ser lugar de morada do cidadão. A morada é um espaço sagrado. Originalmente, o termo “morada” era ethos, espaço de onde era possível comunicar-se com os deuses. Surge daí os templos, lugares de oração. Lugares do relacionamento que se associa a outra virtude humana, a amizade, além da compreensão, fortaleza, prudência, responsabilidade entre outras. É nesse sentido que toda associação se reveste de códigos de bem-estar, de prazer e de guia do espírito. Considerando que cada associação se liga, por sua vez, a tantas outras instituições, nosso espaço de referência local nos transforma em cidadão do mundo e nos compromete a agir na obrigação da busca do prazer e da fuga legítima da angústia. Uma associação é mesmo um universo onde se devem cultivar os laços de amizade, porque estamos no reconhecimento de que associar é viver. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 06/08/2018
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