O Mito - A Lógica Há sempre um início. O começo é a fonte de onde surgiram todas as demais coisas que agora compõem o cenário onde vivemos. Nosso mundo humano vem de tempos remotos, que se perdeu nas possibilidades de explicação lógica do saber do tempo presente. Em geral, acredita-se que este período começou na África faz 2,5 milhões de anos, com a aparição da primeira ferramenta humana ou pré-humana: o machado de pedra. É por isso que o poeta Fernando Pessoa (1888-1935), na astúcia de sua imaginação criadora, em sua poesia Ulisses, canta a criação do mundo lusitano em genial jogo de palavras onde o tempo se esvanece: Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. Este que aqui aportou. É uma referência a Ulisses, herói lendário da Guerra de Tróia (1194–1184 a.C.) e fundador mítico de Lisboa, onde teria aportado numa de suas navegações. Perdido na poeira da distância, sem existir nos bastou, Ulisses comparece no tempo histórico, na imaginação de Homero (século VIII a.C.?), liga-se ao mundo lusitano e à Terra de Vera Cruz que se fez Brasil: “Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz” – trecho da carta de Pero Vaz de Caminha ao El Rei D. Manuel. O tempo mítico nos alcançou. Nossas raízes estão presas aos tempos imemoriais, dentro de uma ordem social anterior a nossa, enlaçadas a um modelo de consciência da exaltação do rito, ali onde as coisas permanecem e são como foram desde a sua criação. Nesse modelo ritualizado, o homem viveu por volta de 24.935 séculos. Isso significa que cerca de 99,80% de nosso tempo no mundo foi desenvolvido sob o manto do chamado tempo primitivo, arcaico. O outro modelo, o mundo lógico tem apenas 25 séculos, começa com as especulações filosóficas da antiga Grécia (4.000 anos a.C.) até nossos dias. Existimos naquele tempo e fizemos, por longo período, o exercício de viver o presente, o amanhã era o hoje repetido e de tal modo igual que tudo se sacramentou. A experiência do sagrado tomou conta de nossa vida e virou um tipo de conhecimento que nos conduziu por séculos e séculos sem o risco da destruição. É do historiador das religiões, Mircea Eliade (1907-1986), a expressão: “A experiência do sagrado se encontra relacionada com as ideias de ser, sentido e verdade e envolve fenômeno religioso, político e estético”. Ainda que só a poesia épica narre o mito, sem a chancela da História, temos de considerar que existia um sistema organizado e bem sólido para sustentar sociedades e sociedades por tantos séculos (24.935). O chamado mundo lógico (com apenas 25 séculos), com suas guerras e amplas injustiças, parece pedir socorro, demonstra forte fragilidade. Vivemos isso agora. O mundo lógico bem poderia procurar entender melhor o espírito da experiência do mundo mítico, que, para se sustentar por 24.935 séculos, instituiu fundamentos essenciais à vida de todos: º Conferiu significado e valores a existência. º Defendeu modelos exemplares para todas as atitudes. º Instalou uma hierarquia de poderes disciplinada pelos costumes preestabelecidos. E o que é o mito? O mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.) – 24.935 séculos. E o que a lógica? Lógica é uma parte da filosofia que estuda o fundamento, a estrutura e as expressões humanas do conhecimento. A lógica foi criada por Aristóteles no século IV a.C. para estudar o pensamento humano e distinguir interferências e argumentos certos e errados – 25 séculos. A inteligência desenvolvida no mundo lógico durará mais tempo que a experiência do sagrado do mundo mítico? Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 06/08/2018
Alterado em 06/08/2018 Copyright © 2018. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |