A História Escrita Escrever sobre o vivido das pessoas é uma atividade intelectual, vez que o conhecimento do passado não é revelado de imediato, ele é uma reconstrução fundada na leitura de vestígios desse vivido humano (na historiografia) e na sua observação (na literatura). O conhecimento que se efetiva nos escritos, em forma de textos, particulariza-se, ganha a subjetividade daquele que se faz sujeito do discurso. Essa expressão do passado, substantivada em textos, implica em instaurar um modo de relação bem específico com esse passado, a partir do presente. Nesse interesse, o passado se dá a compreender, ao se sustentar à tese da compreensibilidade, o que significa perguntar pelo sentido de existir (intento, propósito, objetivo) e pela razão desse esforço de agir. O texto do historiador, desta forma, faz compreender intrigas humanas, causas, modos de fazer, deliberações que marcaram a vida ativa da sociedade. O pressuposto aqui é reconhecer que o discurso do historiador e a narrativa de ficção são textos. Textos que organizam um determinado modo de entender os acontecimentos, entender o movimento da sociedade em busca da realização dos múltiplos interesses que surgiram no cotidiano dos indivíduos e dos grupos. Esses textos dos historiadores e dos romancistas constituem uma espécie de conhecimento da ação das pessoas. Esse conhecimento do social aproxima seus interpretantes: Historiadores tornam-se romancistas ao falar de realidades com estilo fecundo. Romancistas tornam-se historiadores, historiadores criativos ao imaginar realidades. Ambos se fazem pensadores por falar de fundamentos de vida, o que anula a oposição convencional entre História e Literatura. Todos eles contribuem para organização da realidade ao salvar a memória do vivido, partindo sempre dos vestígios deixados pelo homem em ação: "O homem não é radicalmente um estranho para o homem, porque fornece sinais de sua própria existência" – (Paul Ricoeur - 1913-2005). O significado maior dessa expressão é entender que, ao se compreender esses sinais, estamos compreendendo o homem em sua ação social, o que equivale entender que o passado está contido no presente, nos gestos que esboçamos hoje, nos gostos que preferimos, nos desejos que nos envolvem, nos bens de uso aperfeiçoados e ajustados aos interesses contemporâneos, em cada traço encontrado na cultura material, na linguagem, nos símbolos, nas ideias. É por isso mesmo que a construção de um texto histórico ou literário, nesse olhar que quer compreender certo passado, depende, fundamentalmente, do narrador e do tipo de documento utilizado. O conhecimento que surge dessa relação do sujeito da narrativa com os documentos, desse diálogo do sujeito que conhece com o objeto do conhecimento, é o olhar do estudioso sobre um dado movimento da sociedade. É a objetividade possível que, naquele instante, se pôde obter do passado: “Cada autor esclarece um elemento, coloca em relevo alguns traços, considera certos aspectos. Quanto mais numerosas são estas contribuições, estas apreciações, tanto mais a realidade infinita se liberta dos seus véus. Todas estas apreciações são incompletas, todas são imperfeitas, mas todas contribuem para o progresso do conhecimento” (Paul Ricoeur). Essa realidade infinita de que fala Ricoeur é o passado do homem, aquele mundo social vivido com sua intricada rede de estruturas, de sentidos e de significados que fizeram a vida viver, que levaram os homens a agirem e reagirem, possibilitando surgir os bens materiais, os valores e as culturas. Esse passado que agora é notado pelo discurso em forma de texto. A escrita da história é uma forma de revelar quem somos nós e o que já fizemos aqui nesse mundo social em que vivemos. Ler um bom livro de história ou um romance de um grande autor é sentir o passado vibrando. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 06/08/2018
Alterado em 06/08/2018 Copyright © 2018. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |