O Conflito Social Há uma espécie de efervescência social no tempo presente. Há um mau funcionamento geral da vida em grupo e em sociedade, como se evidenciando um sintoma de alguma falha na organização da vida social em todo globo terrestre. Não se salva nenhum continente, nenhuma nação. Esse desatino vem se aprofundando de forma muito veloz. São passos dados ao sabor de desinteresses institucionais diversos. Olhando-se em volta, é perturbador para o ordenamento social esse contexto de erosão dos poderes legislativos, executivos e judiciais. Isso não apenas porque esses poderes não correspondem aos anseios coletivos e individuais, ao não cumprir com eficácia os objetivos para os quais existem, mas, sobretudo, porque seus prepostos vêm provocando sérios desvios de suas finalidades, comparecendo, com certa frequência, nas colunas policiais da mídia falada e escrita. Nessa esteira, vezes como causa, vezes como efeito, diferentes instituições, salvo honrosas exceções, mergulham na mesma lama negra da irresponsabilidade, ressuscitando com força e atualidade o trecho do discurso proferido em 1914, diante do Senado Federal Brasileiro, pelo Jurista Ruy Barbosa (1849-1923): De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. O resultado que se apresenta em toda parte, dentro desse cenário, é cruel. Há um faz de conta que não há urgência em se desenvolver políticas profundas para solucionar o estoque de pobreza degradante aqui e acolá. Nações se fazem de cegas por não desejarem enxergar a tortura dos pacientes em hospitais públicos em toda parte. Há um embrutecimento em se deixar a qualidade educacional de diferentes povos arrastarem-se em índices de perigosa ineficiência. Tudo isso sem se pensar na segurança pessoal submetida a comandos marginais, que impede o exercício fundamental da livre locomoção. Uma base social assim instituída, apoiada na posse usurária da riqueza, criou um valor novo: cada indivíduo vale pelo que possui e não pelo que é. Em síntese, as sociedades estão sem sustentação. Pisamos em chão pantanoso. No horizonte à frente, a figura de um abismo social parece ganhar corpo. Esse é o panorama próprio do conflito social, da expressão das mudanças em ato violento e, portanto, torna-se expressão das tensões e contradições em que as regras dominantes se enfraquecem e já não garantem autoridade a nenhum poder. A anarquia se estabelece. Uma vez estabelecido o caos, o norte fica desconhecido por longo tempo, o que corresponde o total abandono de qualquer direito constituído, provocando intenso sofrimento para os diferentes sujeitos. Nesse processo, os questionamentos sobre uma nova ordem logo são postos em discussão, novas lideranças começam a surgir meio a novos grupos sociais, tudo ainda classificado a partir dos modos empíricos do agir concreto, sem justificativas teóricas. Essa justificativa ocorre posteriormente, como anunciou o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1830): A coruja de Minerva alça o seu voo somente com o início do crepúsculo. Com isso Hegel queria dizer que o conhecimento maduro só se adquire através da meditação e da atenção vigilante, na distância dos acontecimentos, o que equivale entender os fundamentos, as razões do que presenciamos. Deixar aprofundar as contradições ou não reconhecer o processo que está comprometendo a rede social é aceitar acontecer singularidades históricas fora do domínio dos padrões agora dominados pelas estruturas presentes, o que pode gerar o dilaceramento social. Vê-se que o conflito é gerado na construção social. A sociedade, ao se construir, gera as suas próprias contradições e elas estão numa relação de causalidade com o modo como utilizamos os bens úteis produzidos por todos. Entender isso é captar a dinâmica social concreta e reconhecer a natureza conflitiva das relações sociais. Graças a isso, se vislumbra sempre um mundo novo ou a esperança de uma vida social menos desigual, desde que as inconsciências sociopolíticas desastrosas não interfiram e conduzam a vida social ao desastre humano que as guerras representam. E se isso acontece, o mundo fica insuportável, como na expressão poética de Carlos Drummond de Andrade: Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 06/08/2018
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |