Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos


O Passado Tinha Um Futuro
 
Não somos os primeiros nem seremos os últimos habitantes humanos na face da Terra. Em breve não estaremos mais aqui. Muitos que vieram do século XX não chegarão ao final deste século XXI. Outros tantos nos substituirão e assim sucessivamente até os fins dos tempos.
Nesse ir e vir, a população mundial atingiu a marca de 7 bilhões de pessoas no final de outubro/2012, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). No corpo dessas estatísticas que estimaram a população atual no mundo, há o registro de que já morreram cerca de 100 bilhões de humanos desde a mais remota antiguidade.
Essas pessoas todas (100 bilhões) viveram neste mesmo chão que ora pisamos. Esse dado sozinho indica a existência de um passado humano vivido intensamente antes de nós. Houve uma vida ativa precedente que construiu grande parte de tudo que temos, muito do que sabemos e do que somos enquanto cultura.
Devemos ao passado a nossa vida e todo nosso poder de discernimento. Somos herdeiros de um tempo anterior e não podemos desconhecer sua existência e ignorar as pelejas por que todos passaram em busca de realizar as conquistas vitais que chegaram até nós.
Importa dizer que o passado já foi presente, já foi quotidiano, ali onde cada pessoa lidava com as possibilidades ofertadas pelo momento, envolvendo-se num esforço de sobrevivência e de realização de sonhos.
Essa ideia de associar a sobrevivência com a realização de sonhos nos impõe reconhecer a existência de um passado construindo um momento seguinte, isto é, estamos afirmando que o passado tinha um futuro. Nesse sentido, o sonho pode ser qualificado como um estímulo da aventura que cria vida nova.
Sendo verdade que o presente é o futuro do passado, todos que estamos em plena vida ativa no quotidiano do tempo presente, todos somos herdeiros do tempo anterior. Atualmente, nós, os 7 bilhões de seres humanos, que agora habitamos a Terra, somos esses herdeiros necessários, sucessores forçosos do passado, administradores da experiência secular dos tempos idos e encarregados da construção de um novo tempo.
Construir um novo tempo é fazer aquele exercício do sonho formado a partir da base recebida do tempo anterior. É acolher a experiência já vivida noutro instante, é refletir sobre essa experiência, desejar, tomar atitude e buscar. Determinar-se a alcançar um alvo previamente sonhado.
Aqui se compreende que não damos um salto para o futuro, mas o edificamos pedra a pedra, em erros e acertos, meio a paixão e compaixão, encantos e desencantos. A solidez dessa edificação do futuro se sustenta na experiência dos tempos distantes modificados pelos tempos mais próximos. Para nós, os 7 bilhões de agora, os tempos mais próximos são os séculos XIX e XX. Essa é uma confirmação de que o passado tinha um futuro, ainda que, ao se realizar na prática do vivido, o futuro não se efetive tal qual o sonhado antes.
Esses dois últimos séculos (XIX e XX) requalificaram os conceitos e as ideias dos tempos anteriores e colocaram para o tempo presente novas possibilidades:
- Uma intensa transformação social estabeleceu e ganhou força a partir do estímulo inicial da liberdade, igualdade e fraternidade do processo revolucionário francês de 1789 e chega ao século XIX alterando formas de governo, fazendo mudanças econômicas com forte reflexo na vida social e cultural de todo o mundo ocidental. O capitalismo e o socialismo surgem e se estabelecem como ideologias dominantes.
- Uma forte recomposição acontece na estrutura social do século XX. Desaparecem os poderes institucionais absolutos: os papas, os monarcas. Os atores sociais se individualizaram e a cada um de nós cabe o duplo processo de traduzir e de interpretar mundo, o que torna mais complexa a vida social: as ideologias dominantes perderam vigor. O utilitarismo ganha preponderância: "a utilidade de cada objeto é definida por sua capacidade de produzir prazer ou felicidade e de evitar a dor e o infortúnio, sem comprometer o bem-estar coletivo" – Jeremy Bentham (1748-1832).

É este tempo presente, sem ideologias dominantes, que temos como base para elaborar novo futuro. A grande dificuldade é que o presente é agora vivido com muita intensidade como se o amanhã não existisse. O futuro é agora. As utopias desaparecem ao final de cada dia. Elas são puros eventos, episódios únicos que não se compõem como rede ou processo social.
Interrompemos o fluxo dos sonhos? Estamos desqualificando nossa capacidade de existir?
E agora, José?
Sem o futuro o passado (que é experiência) se desfaz porque nada mais o alimenta. Sem o futuro o presente se implode num redemoinho de vidas sem significação. É preciso restabelecer nosso rumo e recriar nossa esperança no futuro e de novo confiar que o passado há de ter seu futuro.
 
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 06/08/2018
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