Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

O Luto
 
Lembrança da tragédia em Santa Maria (RS)
27-01-2013
 
É no esforço de construção da vida que vão se instituindo nossos valores: talento, habilidade, maestria, paciência, serventia, ideal de perfeição, coragem, resistência e tantas outras mais dessas virtudes...
Essas feições da vida ganham geniais reflexões que podem ser lidas aqui e ali. O poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), em seu poema A Felicidade, exalta bem o valor da vida:
 
Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se
quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se
afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-as.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!
 
A vida deve ser bela. Temos o dever de tudo fazer para que a vida ganhe beleza.
É isso que todos fazemos enquanto vivemos. Buscamos o bom, o belo, o justo. Circunstâncias postas no caminho, por ignorância ou intenções nocivas, criam dificuldades pequenas ou insuperáveis. Mas quando imprimimos com clareza em nossa alma o que queremos, enfrentamos barreiras e vezes vencemos, vezes somos vencidos:
 
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
 
O que não pode acontecer é deixar de buscar sempre o bom, o belo, o justo. É aquele horizonte que nos motiva a agir. Sem esse horizonte, tudo fica muito sem sentido e tudo conspira contra.
Isso lembra a observação do filósofo romano Sêneca (4 anos a.C. 65 anos d.C.): “Quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável”.
Há um momento, no entanto, que a vida cessa. Não há esperteza possível para impedir que isso aconteça. O que se segue é um mistério, algo que não se consegue explicar ou desvendar a partir dos fundamentos de nossos saberes aprendidos nos bancos escolares e na experiência vivida. A dor emerge — a dor da saudade. Todos nós dependemos emocionalmente de nossos entes amorosos. Um forte sentimento de solidão bate no peito. O luto surge aí nesse ponto final da competência do homem.
O luto é a manifestação de reações a uma perda significativa. Sentimento profundo de tristeza que pede reexame de nós mesmos frente ao mistério da vida, campo apropriado para o desenvolvimento dos dogmas religiosos: “Nos dias de aflição não esqueças os dias de bem-estar” (Eclesiástico 11, 27).
A expressão de Eclesiástico consola, suaviza, acalma e convida à reflexão de quem somos nós antes da partida para a outra dimensão. É que, para além do corpo físico que cessou de agir, há valores que se ajudou a realizar, fazendo acontecer a alegria e o riso, apesar dos tropeços. Nesse sentido, o luto se faz afeto e processo, porque se segue a uma perda e comporta, ao mesmo tempo, o desejo de guardar o outro, de conservá-lo junto a si e o desejo de deixá-lo ir, como expressa o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004):
 
O luto necessita tanto guardar na mente ou na memória, quanto um liberar, deixar ir... Como podemos lamentar nosso amigo se o esquecemos? E como pode o luto ocorrer se nós inflexivelmente recusamos deixá-lo ir?
 
Nesse impasse, cada um enlutado busca encontrar saídas: uns casos pedem auxílio de terapias profissionais, noutros casos basta o retrato na parede ou a lembrança da alegria do riso ainda presente na memória: o luto é uma demonstração de afeto, uma lembrança da vida e da convivência.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 16/08/2018
Alterado em 17/10/2018
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