O Prazer Viver. Estamos no mundo e o nosso primeiro dever é viver. Somos criaturas e não criadores do gênero Homo, esse ser que foi enriquecido de emoções, sonhos e ganhou consciência de si mesmo e do ambiente em sua volta e se tornou Homo sapiens, aquele que é capaz de suscitar profundos sentimentos de amabilidade ou deselegância. Sem o poder de ser causa de si próprio, temos uma forte dependência deste mundo em que vivemos, mas, porque somos Homo sapiens, realizamos arranjos tais que têm permitido um modo de sobrevivência onde sobrepomos ao mundo físico invenções úteis. Invenções estas que pedem atualização a todo instante em razão de juízos estéticos e de uma diversidade de cultura regida por diferentes ideais. Foi mesmo essa capacidade criar coisas que nos fez ser Homo sapiens, homens que desenvolveram propósitos particulares, contribuindo para a realização de nossa própria humanidade. Em face desse modo de agir, ganhou importância a faculdade de sentir prazer. O prazer é a chave que abre o portal ao mundo desejado, porque se reveste de intenções estéticas do gosto. É dessa base das preferências estéticas do gosto que o mundo multicolorido das ideias se diversifica e até se contrapõe ao construir finalidades, razões que parecem as mais adequadas para o proveito particular ou coletivo. Vale lembrar alguns defensores de princípios de finalidade tão expressivos a todos nós, figuras paradigmáticas de seres humanos entregues ao amor, ao cuidado, à compaixão e à proteção da vida em todas as suas formas: Buda, Moisés, Jesus, Maomé, Francisco de Assis, Gandhi, Irmã Dulce, Chico Mendes entre tantos e tantas outras, como bem acentuou o teólogo Leonardo Boff (1938) em seu texto “Proteger a Terra”. Nesse gozo antecipado pelo fruto ainda não colhido, o prazer equivale ao começo que induz a busca. O sucesso final é percebido por antecedência e, por isso, o prazer é o companheiro da luta. O esforço desprendido é creditado dia a dia em conta corrente da vida em ação, até a vitória do cumprimento do projeto e sua compensação, o deleite: “Os maiores deleites provêm da contemplação de obras belas”, assim frisou o filósofo grego Platão (427-347 a.C.). Reconhecer a existência de uma conexão entre o sentimento de prazer antecipado e o projeto ainda em execução é estabelecer uma confiança na fundamentação do desejo. Está presente nessa ligação prazer e desejo as funções lógicas e teleológicas garantidoras da confiança. Com a lógica, o sujeito desejante utiliza o saber de um tempo; e com a teleologia (ideia de finalidade) se adota o conceito de causa e efeito, como no princípio bíblico que se lê em Gálatas 6, 7: “O que o homem semear, isso também haverá de colher”. Nesse pressuposto, percebemos que o prazer advém da tradição do mundo sensível, resultante de pés firmes na realidade social e, por isso mesmo, o encanto possível, que faz a vida alcançar plenitudes, encontra-se nas ações pensadas, correspondentes ao domínio de saberes e ao exercício da inteligência. É mesmo no mundo vivido que o prazer deve acontecer. Sua feição visível está na residência onde moramos, onde instituímos nosso lar; no trabalho, onde garantimos o pão de cada dia; na saúde, onde liberamos o corpo para as atividades; nas artes, onde os sinais dos mistérios se revelam como se a dizer da radical insuficiência de todas as coisas humanas, até mesmo o prazer. Vivemos. Temos o dever de administrar nossa vida na direção do prazer. Isso equivale dizer que o prazer deve ser considerado como conteúdo do desejo, ou seja, um e outro (prazer e desejo) estão dentro de coordenadas históricas e sociais bem determinadas, mas os 2 são atos que querem salvaguardar a vida, ali onde os nossos desejos se habituem a ter prazer e se realizem no cântico de esperança de um mundo de concórdia, ainda que existam suas sinuosidades. São exatamente essas sinuosidades de tempos e contratempos que dão sabor à vida, acentua o prazer em viver, ao colorir o trajeto e ampliar a perspectiva do horizonte. O mestre das curvas, Oscar Niemeyer (1907-2012), confirma de modo poético a grandeza das ondulações da vida em ação: “Se a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto buscar o infinito”. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 16/08/2018
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