A Prudência
O homem vive no tempo. O homem vive na história. Tempo é história. Todas as coisas que fazemos ganham a cor do tempo em que são produzidas, instituídas, inventadas. Esse fundamento se aplica também aos conceitos, às ideias e até mesmo a nosso humor. O que era absurdo — sem sentido — num determinado momento, ganha plausibilidade lógica noutro instante. Cada tempo reveste os atos ou feitos humanos de um colorido próprio. Em razão desse princípio, a relação entre um conceito e o conteúdo, entre uma ideia e sua ação prática, essas relações se expressam sempre de modo tenso, porque construídas a partir de experiências distintas e até conflitantes. Vezes divergimos ou concordamos em face de nossas crenças religiosas, nossos valores, nossos modos de estabelecer os laços familiares, no modo como assumimos os papéis de homem e mulher e em tantos outros aspectos da organização da vida em sociedade. A prudência, como todo e qualquer vocábulo, é plural no seu sentido porque está na história, porque se molda ao tempo. O termo prudência vem do latim prudentia, o qual vem de providere, que pode significar prever e prover. É uma qualidade que permite detectar os perigos e evitar os erros. De longa data o termo prudência ocupa a atenção de muitos pensadores. Com o filósofo Aristóteles (384-322 a.C.), a prudência acontece na convivência, ganha sentido dentro do mundo vivido e, por isso, seu objeto seria o bem do homem. Isto é, ela (a prudência) se revela na unidade entre teoria e prática ou entre conhecimento e virtude para a realização da natureza humana e é descrita como essencial para a vida moral e política. Nessa direção, a prudência aristotélica acolhe esse sentido de bem-estar do homem, o que faz dela ser mais do que saber o que é justo e nobilitante, acima de tudo, o prudente deve saber escolher esse justo e transformá-lo em ação e conduta. Mais tarde, outra corrente de pensamento (o estoicismo) amplia o sentido da prudência. O estoico Crisipo (278-206 a.C.): [...] assegura que as virtudes da coragem, da justiça, da prudência e da temperança são inteiramente distintas, mas implicadas entre si: ou possuímos todas as virtudes, ou não possuímos nenhuma delas. A prudência no corpo da doutrina estóica sobreviveu todo o período da Grécia Antiga, até ao Império Romano, incluindo a época do imperador Marco Aurélio (121-180), até que todas as escolas filosóficas foram encerradas em 529 de nossa era, por ordem do imperador Justiniano I (450-527), que percebeu as suas características pagãs, contrárias à fé cristã. Novo imaginário se abre ao Ocidente com a presença das ideias cristãs. Os tempos históricos se voltam para luzes fora da história, como propõe o Evangelho segundo S. Mateus, capítulo 7: “Todo aquele, pois, que ouve estas palavras e as pratica, será comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha [...]”. A prudência aqui é umas das possibilidades que conduz o sujeito à salvação eterna, a um mundo fora da história, num tempo misterioso, insondável. Os domínios dessas ideias chegaram até nossos dias, mas não interromperam a criatividade. Novos pensamentos vêm ganhando força e produzindo outros olhares sobre a vida. O teólogo Tomás de Aquino (1225-1274) propõe um novo conceito de prudência: “É a reta razão aplicada ao agir, sob a inspiração divina”. É uma forma de razão prática que leva o homem a priorizar o bem comum em detrimento de suas vontades particulares. Tomás de Aquino incorpora o tempo longo que vem de Aristóteles e enriquece o termo prudência com fundamentos das ideias cristãs: - Aristóteles — “A sensatez é a capacidade de agir com prudência e temperança, o que implica levar em consideração o bem-estar geral”. - Tomás de Aquino — “A prudência implica no abandono das vaidades, dos laços profanos e iníquos, e a total devoção ao corpo místico da Igreja, subordinado em torno de protocolos inteiramente cristãos”. O homem, este estranho homem que vem causando tanta insensatez na face da Terra, tem costurado diferentes conceitos de prudência que induz à crença de que o paraíso é possível. Paraíso do bem-estar geral aristotélico ou celestial, como previne Tomás de Aquino. Se ainda nos indignamos em face de algum mal feito é porque reconhecemos a existência de uma “reta razão aplicada ao agir”, porque há em nós fundamentos de prudência que orientam nossos desejos e práticas. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 16/08/2018
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |