Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

O Querer
 
O homem realiza ações: toma decisões, inventa bens, modifica atitudes.
Ele é capaz de gestos nobres, mas comete desatinos a todo o momento. Vivendo e exercitando seus desejos, o homem produz marcas profundas no tempo, umas belas e outras bastante cruéis.
Esse homem que realiza ações é o mesmo que sofre influência de diferentes áreas do social. O homem é, assim, um animal ativo e passivo. Age, mas suas ações ganham o colorido dos condicionamentos postos em cada tempo, em razão do modo como se desenvolveram os interesses sociais com sua base sócio, histórico e cultural.
Envolvido por esse mar de acontecimentos produzidos pelas atividades cotidianas, o estímulo do fundamento que leva o homem a querer se desenvolve e ganha outras feições e aí querer pode ser entendido como almejar, ambicionar, apetecer, aspirar, cobiçar, desejar, esperar...
Querer é um atributo do homem constituído em face de sua vida ativa e não ocorre tão somente em razão de carências físicas (fome, frio, calor...), que é a face instintiva da ação, onde predomina o caráter biológico. A qualidade de querer no homem recebe mesmo sua força maior é de sua outra característica mais nobre, a intuição.
A intuição pode ser considerada como um saber que se liberta de nossa experiência e reconhece fatos de nossa própria existência de forma espontânea. Não é o exercício de métodos e técnicas aplicadas à pesquisa em busca de encontrar resultados. É o relampejo da alma que vibra em reação inesperada e que traz para nossa presença possibilidades de acontecimentos ou realizações. Nesse sentido, o filósofo e diplomata francês Henri Bergson (1859-1941) sentencia: “Intuição significa principalmente consciência, mas consciência imediata, visão que mal se distingue do objeto visto, conhecimento que é contato e até coincidência”.
Querer é mais intuitivo que instintivo, resulta mais dos aspectos intelectuais que biológicos. Essa materialidade intelectual é o campo apropriado para o surgimento dessa vontade que produz a ação, ou seja, querer não é fenômeno inicial, o que preexiste como potência primeira da manifestação do desejo de agir é a experiência, aquele mundo de acontecimentos e realizações que compõe o social. Querer é a fisionomia visível desse impulso que o social produz.
Esse impulso do social, no entanto, não atinge o desejo de querer de modo linear e uniforme, porque somos reativos, refletimos antes de agir, o que confere à ação individualidade e autonomia e promove motivações diferenciadas suscitando um ciclo alimentador de diálogos criadores ou propiciando a geração de embates febris, uns e outros são instituidores de novos projetos sociais.
Dizer isso, falar em autonomia do desejo é dar um salto e chegar aos tempos modernos e poder ouvir o poeta e filósofo alemão Friedrich Schiller (1759-1805) sintetizando o novo ideário: “[...] não há outro poder no homem a não ser a sua Vontade [...]”.
O próprio Schiller, que joga em nossos ombros a responsabilidade de agir com autonomia, oferece o conforto de um modelo de ação: “Não temos em nossas mãos as soluções para todos os problemas do mundo, mas, diante de todos os problemas do mundo, temos as nossas mãos”.
Vê-se, com isso, que querer não é apenas um exercício do pensamento, é uma atividade que convida à prática, mais que isso, obriga a tomada consciente de decisões concretas, porque existem outros condicionamentos para viver que precisam ser atendidos: alimentar, descansar, cuidar da saúde, compartilhar saberes, enriquecer a alma...
Fazer essas coisas, para permitir a vida humana continuar existindo, depende muito de um querer disciplinado, voltado para uma consciência de respeito das conquistas do tempo presente: independência, autonomia e liberdade.
Poder querer, e saber viver a vontade despertada pelos estímulos sociais, não é nada fácil. As hostilidades que nascem dos confrontos de interesse ganham força, constroem sinuosidades na trajetória dos desejos e afetam as certezas dos projetos.
Querer, nesse movimento, transforma-se em saber e redireciona o trajeto, recompondo e reclassificando modos de vida, garantindo a esperança de que haverá um amanhã e ele deverá ser suavizado de seus conflitos. É preciso querer se desejamos viver.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 16/08/2018
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