Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Vontade (III)
 
 
 Sociedades dos homens.
É na sociedade dos homens o lugar da criação de toda a realidade social: Os homens plantam e colhem, compram e vendem, fabricam e destroem, amam e “desamam”, realizam-se e tropeçam, fazem da vida um canto de alegrias ou um mar de tristezas.
Todas essas coisas acontecem na influência de circunstâncias de tempo e de lugar. Estão presentes no tempo graus diferenciados de desenvolvimento da consciência e de ciências e tecnologias. Estão presentes no espaço singularidades marcadas por aspectos geográficos que vão do puro deserto a regiões glaciais (de puro gelo).
Nesse universo, assinalado por essas influências de tempo e lugar, nasce a cultura dos indivíduos em sociedade. A articulação social diferenciada ganha sustentação, cria fronteiras de interesses, desenvolvem gostos, gestos e possibilidades específicas.
A vontade emerge desse corpo social influenciado por todas essas situações de que compõem a vida humana em ação.
O pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937) leu esse ânimo social e o conceituou de “vontade coletiva”. Aquela vontade que se forma a partir da realidade objetiva, vivida pelos sujeitos. Essa realidade, ao apresentar suas determinações (eficácias e carências), configura o modo de ação, isto é, gera o alento da vontade.
Essa perspectiva situa à “vontade como consciência operosa da necessidade histórica”, como entendeu Gramsci. Aquilo pelo que se luta, visando o benefício particular ou social, provoca o que será o amanhã. Nessa tese, a ideia é conhecer bem o tempo em que se vive e o lugar onde se exercita as atividades laborativas, para que, nesse conhecimento, se possa minimizar os embates e ncontrar os melhores caminhos para realizar o projeto.
Em Gramsci, a vontade não é um dado em si, ela não é um fundamento interior do indivíduo como mostra ser a alegria e o humor. A vontade é “consciência operosa da necessidade histórica” como é a liberdade. A vontade nasce desse processo dinâmico que faz a vida querer evoluir para um patamar melhor que o anterior. É preciso considerar a existência de um chão, com suas possibilidades; de um ideário, com suas motivações. Aí sim, a vontade surge e se impõe como síntese de um tempo e lugar e impulsiona a ação consciente dos indivíduos e das sociedades em busca de seus interesses: é a vontade coletiva acontecendo, é a vontade coletiva se tornando “protagonista de um real e efetivo drama histórico”, como consta dos “Cadernos do Cárcere” de Gramsci.
Assim, a vontade deve se mostrar sem evasivas, porque responde por um ânimo coletivo. Os seus frutos precisam alcançar indistintamente a todos, independentemente de condições sociais de riqueza ou pobreza, de fé, cor ou raça. Uma feição dessa disposição é a democracia, aquela em que o exercício da cidadania se realiza sem qualquer restrição.
A vontade em Gramsci, que advém da efervescência do mundo social, tem um sentido final, o bem-estar. É essa possibilidade que faz a vontade ser uma “[...] articulação dialética entre causalidade e teleologia” na expressão de Gramsci. Isto é, a vontade surge desse terreno social (causalidade) construído pelos indivíduos, se alimenta de suas transformações (dialética) e aponta para um mundo futuro, os fins últimos da sociedade (teleologia).
É em razão desse fundamento que a vontade deve ser livre. Essa liberdade da vontade nunca é absoluta, incondicional, porque sempre há de observar a causalidade promovida no social, o que impõe uma caminhada para um fim específico, o bem-estar social, ali onde a humanidade de cada sujeito alcança sua grandeza.
Observar a causalidade do modo social existente é suplantar a antiga tese do determinismo econômico e acolher o movimento reivindicatório das massas com seus sinais de interesses e descontentamentos, sem o que a democracia não se aprimora, impedindo que o bem-estar social — fim da vontade coletiva — seja estabelecido e possa revelar que “Minha vida, nossas vidas / formam um só diamante”, como desejou o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), em seu poema “Canção Amiga”.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 16/08/2018
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