A Cidade
“Ilhéus caiu tanto nos últimos anos, que até o mar se afastou
da cidade” — Barão de Popoff (Raymundo Kruschewsky Gomes Ribeiro (1925) — cidadão ilheense) Viver — Conviver.
De longa data, sabemos que “o homem é um animal social” e de tal forma esse fundamento ganhou importância para a vida humana que a expressão “viver é conviver” assumiu condição de certeza. Conviver tornou-se essencial às possibilidades da conquista edificadora do pensamento: eis a porta de entrada para o infinito. O infinito é o mundo posto para busca. Moramos nesse mundo imenso e nos juntamos em lugares limitados para dar visibilidade ao pensamento através da ação, sem o que não sobreviveríamos. Esses lugares têm seus aspectos materiais (ruas, casas, edifícios, monumentos) e neles gravamos seu caráter, sua maneira de ser (ilheense, baiano, carioca, pernambucano...): estamos na cidade. A cidade antes de tudo é a casa, a morada do indivíduo, aquele espaço da intimidade, centro do universo de onde o olhar ganha autonomia, o corpo repousa e deixa florescer o pensamento que clama por sossego, prazer e conforto. Essas disposições são as que reúnem os elementos próprios para o desenvolvimento da afeição. A cidade se instala nessa possibilidade de carinho, afabilidade, benevolência, bondade, porque nela gesta a razão, a capacidade humana que identifica e opera conceitos em abstração, resolve problemas, encontra coerência ou contradição, e isso inclui raciocinar, apreender, compreender, ponderar e julgar; características essas qualificáveis como inteligência. É nessa dimensão do convívio social inteligente que aparece o cidadão, indivíduo que usufrui de direitos civis e políticos e desempenha deveres que lhe são atribuídos. A Constituição Brasileira de 1988 (Título I) reconhece a cidadania e a dignidade da pessoa humana como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Pode-se ver, então, que tudo converge para o engrandecimento do homem. E é de longa data que esse interesse acontece. Dentro da cidade grega clássica (a polis — V séculos a.C.), o ideal educativo aparece como Paideia, formação geral que tem por tarefa construir o homem como homem e como cidadão. A cidade é um empreendimento do homem e implica reunir qualidades que seriam para fortalecer a convivência social, mais do que isso, ela é o lugar onde as coisas acontecem, do entendimento ao conflito, porque reflete os discursos e os olhares adversos de seus habitantes, no que, muitas vezes, conturbam o ideal da cidade perfeita. A tese do sociólogo francês Edgar Morin (1921) ajuda nesta compreensão: “Tudo o que é humano é, ao mesmo tempo, psíquico, sociológico, econômico, histórico, demográfico”. A cidade somos nós e por isso ela se configura para além de ruas, casas, edifícios e monumentos. Ela é, também, a resposta desse conflito de interesses que as ordens e as desordens ideológicas promovem; é resultado de adequações e inadequações administrativas, frequentemente estabelecidas por estruturas governamentais (prefeitos, vereadores, promotorias de justiça); é decorrência de interesses ou desinteresses da sociedade civil organizada em diferentes instituições: sindicatos, associações, universidades, igrejas, entre outras. Nesse sentido, nós todos somos “produtores do espaço” e responsáveis pela imagem urbana traduzida pela arquitetura, definida nos projetos logísticos de zelo das ruas, de organização dos espaços de lazer e das perspectivas de seu desenvolvimento. O espaço sonhado é fruto dessa intervenção no cotidiano de iniciativa de poderes públicos e da sociedade civil organizada. É aqui no urbano que a “tempestade é ostensiva, que o céu exibe mais claramente a sua fúria” (Gaston Bachelard). Isto é, é na cidade onde as mazelas do desordenamento social aparecem sem nenhum pudor e, nesse descaso, a cidade se enfeia, a alegria dos encontros se refugia em espaços particulares asseados, abandonando as praças, as avenidas, agora habitadas por desesperançados habitantes: os loucos, os viciados em drogas, os sem tetos... A cidade deve ser o canto de alegria figurado em sua face virtuosa de lugar do bem-estar. Se isso não acontece, o Barão de Popoff tem muita razão ao falar de um mar envergonhado: “Ilhéus caiu tanto nos últimos anos, que até o mar se afastou da cidade”. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 16/08/2018
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