Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

O Ódio
 
 
Existir.
Estar no mundo com os outros seres e ter consciência disso: eis o homem. Existência consciente. Modo de ser que repara a si próprio, dispõe de percepções, ideias, sentimentos, vontades, ambições. Essa faculdade de se saber homem, de reconhecer um universo de seres e coisas em seu entorno, são os pilares onde repousa tudo o que temos sido e poderemos ser ou, dizendo doutro modo, como na afirmação do teólogo Santo Agostinho (354-430): “Lembro que tenho memória, inteligência e vontade; entendo que entendo, quero e lembro e quero querer, lembrar e entender”.
Eis o homem na sua aventura pelo mundo, fazendo e fazendo-se, caminhando e constituindo a própria vida ao sabor de circunstâncias mais diversas, condicionadas a dois aspectos: um, de caráter natural (o homem é um animal) e outro, de natureza moral (o homem é um ser social).
No caráter natural, o homem detém em si características ancestrais herdadas do longo tempo que se estendeu às suas origens. A tese do cientista inglês Charles Darwin (1809-1882) atesta que existe um mecanismo pelo qual os seres vivos mudam e evoluem através de uma seleção natural, gradual e contínua. Esse mecanismo é um motor interno dos seres vivos e age independentemente do anseio de cada um desses seres, incluindo o homem. Nessa hipótese, defender-se é um esforço para garantir a sobrevivência. Não há ódio no reino animal, excluindo o homem.
É na convivência histórica e social que o ódio alcança seu grau de significação. O ódio, na forma dicionarizada, é sentimento de profunda inimizade, ira, rancor, aversão, antipatia, paixão que conduz ao mal.
O ódio é identificado porque surgiram princípios que falam do bem, da ordem, do amor, do justo. A mais remota origem desses princípios sustenta-se na teoria “criacionista”. Deus criou a tudo e a todos e deu uma deferência especial ao homem ao fazê-lo “imagem de Deus” (Gênesis 1-27). A consequência do desenvolvimento dessa certeza é a formação de uma consciência moral instituída pela condição social do homem. É aquela conduta dirigida ou disciplinada por normas ou costumes, visando alcançar o bem-estar, a felicidade (no plano terreno) ou a salvação eterna (no plano religioso).
O ódio existe e é aquela maldade intencional, o ato arquitetado para prejudicar o outro. O ódio está disseminado em toda a parte, em todos os lugares onde o homem vive: no local de trabalho, nas associações e partidos políticos, nos sindicatos, nos lares, nas igrejas...
Teria acontecido uma simbiose, uma ligação entre o estado de natureza (vida animal) e a feição social do homem? Isto é, aquela necessidade natural de defesa do espaço foi apropriada no social humano, e a “defesa” gerou ódio?
Vale lembrar o que o filósofo inglês, Thomas Hobbes (1588-1679), defendeu em sua teoria que “O homem é o lobo do próprio homem”, ou seja, no estado natural, todos se opunham contra todos e que a lei era a do mais forte. O restante era subjugado à força, sem direitos e com o ônus de produzir a subsistência dos mandantes. O Estado surgiu para proteger o mais fraco nesse processo de luta. Tudo, porém, estaria resolvido se o Estado garantisse de fato esse ideal. O Estado, no entanto, está contaminado com os interesses grandemente egoísticos defendidos por ideologias empobrecedoras. Se outrora, a lei do mais forte era a que vigorava, agora é a lei do mais esperto. O exemplo doméstico é o “mensalão”, a Ação Penal 470, em andamento no Supremo Tribunal Federal — STF (2013). Homens usaram de poderes da República para tirar proveitos pessoais, em prejuízo de ideais sagrados pertencentes ao social.
Os desonestos, os corruptos e os malfeitores de toda ordem, no plano particular e na esfera pública, são portadores de uma raiva insana do outro. Todos eles geram desordens, violências e matam sem piedade. Anulam a vida, as esperanças e contribuem para enfraquecimento da humanidade do homem, ao sabotar esforços visando fortalecer o processo civilizatório.
Fazer isso, enfraquecer a humanidade do homem, é contrariar o que define boa parte dos pensamentos filosóficos e os que conclamam todas as ideias religiosas: podemos entender o outro, podemos entender o adversário, podemos ser nós próprios, em plenitude e alegria, sem machucar o outro.
É dever de cada indivíduo, contrariamente ao impulso do ódio, procurar fortalecer a humanidade do homem. Uma boa regra é auscultar Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama: Se descobrirmos que não podemos ajudar os outros, o mínimo que podemos fazer é desistir de prejudicá-los”.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 17/08/2018
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