Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Vidência
 
 
Estranhamento.
O conhecimento no mundo moderno deixou suas bases originais formadas na agricultura, passou pela manufatura e industrialização e chegou agora à economia da informação. Estamos numa sociedade da informação, aquela em que o saber se apoia cada vez mais nas tecnologias de informação como telefones e computadores. A alma desse novo mundo é a ciência. Fora desse universo das ciências, as certezas se movimentam num estranhamento de não poder apresentar-se como fato, coisa concreta, entra para o campo da imaginação, essa faculdade de representar objetos pelo pensamento.
Os videntes vivem nesse universo de estranhamento, marcado por possibilidades de intuição, sagacidade e clarividência.
Isso não afirma que a vidência não exista.
No mundo dominado pela ciência, no entanto, a vidência causa estranhamento. Não poderia ser diferente esta reação. O que a modernidade imprimiu em nossa alma foi o princípio da dúvida defendida pelo pensador francês René Descartes (1596-1650), que, em suas meditações, assegurou: “Para se ter um verdadeiro conhecimento de alguma coisa é necessário que sejam eliminadas todas as dúvidas possíveis a respeito daquilo que se pretende conhecer”. Isto é, a razão científica é tomada como instrumento fundamental do conhecimento.
Ciência é uma palavra que deriva do termo latino scientia, cujo significado era conhecimento ou saber. Atualmente se nomeia por ciência todo o conhecimento adquirido através do estudo ou da prática, baseado em princípios certos, porque se reconhece a causa e o efeito.
Essa busca do princípio causal está fora da técnica da vidência.
Ver o passado, o futuro e descrever objetos ausentes a partir de um simples toque no outro e ao ouvir suas queixas, esse modo de demonstrar um conhecimento distancia-se da racionalidade dos métodos das ciências, não asseguraria racionalidade.
Acontece que há outras racionalidades destinadas a alcançar uma percepção exata das coisas, para além do mundo científico. A intuição é uma dessas percepções, outra é a fé.
Na intuição, vemos o mundo a partir de nossas experiências. É um sentimento que “enxerga” o ainda não acontecido, mas que está dentro das possibilidades de realizar-se. É dessa base que os conteúdos da vidência se mostram lógicos e ganham forma de convencimento. A fala persuasiva constrói uma representação de uma realidade ainda não existente. Em Olhos de Madeira, do professor italiano Carlo Ginzburg (1939), esse tema é bem compreendido: “A representação faz às vezes da realidade representada e, portanto, evoca a ausência; por outro, torna visível a realidade representada e, portanto, sugere a presença”.
Há uma canção de Hugo Pena e Gabriel, sob o título “Vou te Amar (Cigana)”, que traduz bem essa confiança na vidência:
 
Um dia uma cigana leu a minha mão
Falou que o destino do meu coração
Daria muitas voltas
Mais ia encontrar você
Eu confesso que na hora duvidei
...
Foi só você me olhar que eu me apaixonei
Valeu a pena esperar, esse é o grande amor
Que eu sempre sonhei ...
 
Outra racionalidade fora do mundo da ciência é a fé. A vidência se refigura no termo “profeta”, que é originário do grego e significa aquele que proclama, anuncia, divulga. Os profetas bíblicos falavam principalmente dos males de sua época. Mas a profecia bíblica também descrevia o que aconteceria se as pessoas fizessem ou não fizessem determinadas coisas, e o que o profeta esperava para o futuro de seu povo.
A Bíblia está cheia de exemplos proféticos. Estudos confirmam que os profetas da Bíblia são: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel e Jonas:
- Isaias (740 a.C.) — “Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado...” (Is 9:5).
- Jeremias (650 a.C.) fala de um “Redentor Vindouro”, por meio do qual as promessas serão realizadas (Jr. 30:21-22).
Escreve São Jerônimo que “os profetas eram chamados de videntes; porque viam o que os outros não viam”, isto é Jesus. Registro de Carlo Ginzburg — obra já citada.
O tempo presente, ao se vangloriar da racionalidade científica, precisa, também, de outras racionalidades como a intuição e a fé. O homem não se resume nas fórmulas matemáticas, ele é luz silenciosa que se projeta, cria e se refaz, sustenta-se nos conhecimentos científicos, mas, furtivamente, um momento estranho move-se sobre cada um de nós, e aí sonhamos e devaneamos e cremos no ainda não provado.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 17/08/2018
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