Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

O Gênio e a Imortalidade
 
 
O milagre da expressão verbal.
A letra “E” no título é um termo gramatical que estabelece uma conexão entre as palavras “gênio e Imortalidade”. Essa letra “E”, nessa ligação, expressa a possibilidade de uma interface entre os dois termos. Demonstrar essa relação de complementaridade, conectando esses dois termos “gênio e imortalidade”, é o que o conteúdo desta reflexão há de afirmar. O interesse é encontrar a força de sentido em um termo (gênio) que se completa com a potência do outro termo (imortalidade) e vice-versa.
Isoladamente, as palavras gênio e imortalidade têm seus próprios sentidos.

º Gênio:
Como encontrado na filosofia de Arthur Schopenhauer (1788-1860), “[...] um gênio é uma pessoa na qual o intelecto prevalece sobre a vontade muito mais do que numa pessoa mediana”, ou seja, gênio é um indivíduo com um grande talento, com forte potencial criador, demonstrado através de feitos extraordinários e postos à consideração e uso de um tempo longo. São muitos os benefícios sociais resultantes da imaginação de indivíduos criativos. Um exemplo: tomamos consciência de nossa existência no desenvolvimento de nossa faculdade de conhecer, agir e realizar, tudo porque talentos especiais deram sinais, apontaram direções:
 
· Aristóteles (384-322 a.C.): O homem é um animal social.
· Maquiavel (1469-1527): O homem é dono de seu destino.
· Kant (1724-1804): Os homens são iguais entre si.
· Marx (1818-1883): Ao se relacionar com outros seres humanos e se organizar para produzir a sua subsistência material, o homem torna-se homem.
· Nietzsche (1844-1900): Os homens não são iguais entre si.
 
º Imortalidade:
A imortalidade (ou vida eterna), por sua vez, seria condição que uma pessoa alcançaria em viver uma forma de vida física durante um período inconcebivelmente vasto de tempo, vida infinita.
Não há como esquecer de que o cíclo da vida existe: nascemos e ao pó retornaremos ou como disse o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) em sua Mensagem: “O homem é um cadáver adiado que procria”.
Ao mesmo tempo em que há uma lucidez sobre esta nossa condição finita, a resignação inexiste, a submissão à predeterminação da vida finita é rejeitada. O fenômeno que se segue é a vontade firme do alongamento da vida. Os bens do mundo representam essa busca: as ciências da saúde, as tecnologias do conforto, essas inventividades todas possibilitaram conquistas importantes que produziram o aumento do bem-estar social, independentemente de imensos desconfortos legitimados por ideologias autoritárias.
Essas conquistas das ciências da saúde e das tecnologias do conforto ajudaram a esticar a esperança média de vida do homem. Entre nós, os brasileiros, a média de vida já alcançou 73 anos de idade nesta primeira década do século XXI, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi no campo das ideias, contudo, que o homem mais avançou nesse domínio da expectativa de vida longa, arranjando modos astuciosos para garantia de sua imortalidade.

 
º Gênio e Imortalidade — a interface.
Vale lembrar, inicialmente, o pensador alemão da modernidade Wittgenstein (1889-1951), que, numa interpretação não teológica da vida eterna, escreve no Tractatus que, “Se não definirmos a eternidade como infinita duração temporal, mas intemporalidade, então, a vida eterna pertence àqueles que vivem no presente”. Este pensador alemão altera, radicalmente, o modo teórico de significar a imortalidade. Este fenômeno sai do campo da materialidade e entra para o espaço da consciência.
É nesse sentido que o presente é o momento pleno da vida.
Não há outro instante tão valioso. O explendor da vida se desabrocha mesmo é no presente, enquanto vive e age o indivíduo. Considere a imagem poética de Vinícius de Moraes (1913-1980) eternizando o momento presente:
 
Eu possa dizer do meu amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
 
 
É no tempo presente, pois, que aparecem os gênios criadores e com eles surgem os feitos extraordinários. Esses feitos extraordinários são as interferências no tempo vivido, a contribuir para melhor configuração do mundo onde vivemos, a indicar modos de conhecer, agir e realizar.
Esses feitos extraordinários, como resultado da genialidade criativa, permanecem no tempo, duram por longo período e imortalizam seus autores. Muitos são os nomes eternizados pelos seus feitos. Não são poucos aqueles que romperam séculos e estão conosco como se ainda vivo estivesse a dialogar com o tempo presente: poetas, filósofos, romancistas, matemáticos, cientistas, religiosos, políticos...
A ação desses gênios tem contribuido grandemente para a constituição da “boa morada”, ou seja, esses gênios têm agido para a composição de fundamentos mais adequados na busca de uma base moral da vida (ethos, em grego), onde a convivência social seja mais bem organizada, a permitir a vida em bem-estar para todos. Aflora aqui o universo da Ética, mergulho consciente no mundo da reflexão de como se deve agir, no reconhecimento de virtudes que dão relevo as potências individuais, fazendo de cada pessoa sujeito de sua própria vida, dentro de um sistema de convivência que oscila do completo acolhimento do outro à sua plena rejeição.
Nesse interesse de manter a vida a qualquer custo, criando artifícios da proteção da saúde e do conforto ou garantindo formas idealizadas de sossegar a ânsia diante da finitude da vida, cada tempo formulou seu modelo de salvação e seu lugar final e absoluto para sua vida.
 
· Grécia Clássica (período compreendido entre os séculos V e I a.C.).
O mundo era finito e organizado. Todas as coisas ocupavam seus lugares apropriados e com isso o universo funcionava sem choques e surpresas. Ao homem caberia encontrar seus próprios talentos. A “boa vida” aconteceria quando o indivíduo conseguisse o pleno desabrochar das próprias potências, fazendo-se virtuoso ao desempenhar com segurança um dado papel na sociedade. Quando a vida física viesse a faltar, ficaria o exemplo vivo do talento como contribuição da ordem cósmica, eternizando-se pelos seus feitos. O lugar final e absoluto seria seu retorno à desindividualização inconsciente no cosmo.
 
· Mundo Cristão.
Nesse início do período cristão, vivemos ainda o mundo grego, agora expandido com as experiências romanas (helenismo). A filosofia grega (Estoicismo) se universalisa e duas formulações ganham destaque:
- “O mundo é a pátria comum de todos os homens” (Caio Musônio Rufo, filósofo estoico do primeiro século da era cristã);
- “A filosofia não visa assegurar qualquer coisa externa ao homem. Isso seria admitir algo que está além de seu próprio objeto. Pois assim como o material do carpinteiro é a madeira, e o do estatuário é o bronze, a matéria-prima da arte de viver é a própria vida de cada pessoa” — (Princípio básico do Estoicismo).
É nessa base social e mental que se desenvolve o cristianismo e aí ele oferece o elemento diferenciador fundamental das ideias gregas: a salvação eterna do indivíduo. O dogma cristão afirma sem nenhuma dúvida que a fé em Jesus Cristo proporciona aos seres humanos a salvação e a vida eterna: “Pois Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16). Não importa o que cada um fez de extraordinário ou não, o amor salva (Coríntios, 13). O lugar final e absoluto seria a permanência da individualização consciente.
 
· Mundo Moderno (período compreendido entre os séculos XV ao XVIII).
Aqui o parâmetro grego do mundo finito e organizado perdeu a certeza. O mundo é infinito. A certeza de uma ordem absoluta do cosmo já não existe. Há um caos precipitado pelas forças de expansão do universo. Trataram desses assuntos Nicolau Copérnico (1473-1543), com seu Heliocentrismo; Galileu Galilei (1564-1642), com sua luta contra o dogmatismo e a superstição que travavam o progresso da ciência há séculos; Johannes Kepler (1571-1630), com sua explicação sobre a distância entre as órbitas planetárias (órbitas que eram, erroneamente, consideradas circulares) e Isaac Newton (1642-1727), com sua lei da gravitação universal.

Juntaram-se a esses cientistas pensadores que laicizaram inteiramente a vida, isto é, eliminaram qualquer princípio de caráter religioso na condução da vida em sociedade.
O primeiro nome marcante é o de Nicolau Maquiavel (1469- 1527), o primeiro a discutir a política e os fenômenos sociais nos seus próprios termos sem recurso da ética ou da jurisprudência. Importava o exercício da política: conquistar e manter o poder ou a autoridade a qualquer custo.
O segundo nome de expressão é do pensador Kant (1724-1804), que atribui ao homem à propriedade da liberdade, isto é, pertence à razão humana a vontade, o princípio ou a causa produtora de seu agir regrado pelo próprio agente da vontade. Não fosse desse modo, a vontade não seria livre.
O terceiro nome de grande valor é do pensador Nietzsche (1844-1900). Sua preocupação fundamental é compreender as tensões do homem no presente. Quem somos nós e o que queremos agora, não ontem, não amanhã. Esse presente vivido é o lugar onde as coisas acontecem. O passado já não existe, dele temos apenas lembranças. O futuro ainda não aconteceu, ele é apenas uma idealização. Não existe outro momento a não ser este do presente. As forças vitais estão no presente. A sabedoria do homem acontece quando ele destina bem essa energia aí o homem se salva da mediocridade do sem sentido.
Vivemos agora a própria eternidade, porque estamos num presente que não vira passado nem futuro. O presente é absoluto, nele tudo acontece, incluindo o aparecimento dos gênios que nos revelam a verdade, aquela necessidade psicológica de estabelecer no mundo a duração.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 17/08/2018
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