As Terras Brasílicas: O Paraíso
Temos raízes. Esses sentimentos que invadem nossa poesia e nossa alma, enxergando belezas e aceitando ou recusando valores, vêm de muito longe, têm suas raízes presas nos idos tempos dos interesses iniciais daqueles que abriram as primeiras veredas, que mais tarde se tornaram as terras brasílicas, chão verde e amarelo, Brasil. O espanto inicial de Pero Vaz de Caminha, em sua carta ao Rei D. Manoel-I de Portugal, se confirmou na configuração da grandeza física de nossas terras, no esplendor de nossas belezas naturais: Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa... Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados... As águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo--a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Infindas, ilimitadas! Essa visão generosa de Caminha é um retrato síntese da prodigiosa natureza ainda não tocada pelos interesses econômicos e sociais dos portugueses. Tudo se mostrava de puro encantamento, farto, bem harmonioso e acolhedor: “[...] querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo [...]”. Era a natureza inexplorada estimulando a alma dos novos criadores, que enxergava o espaço como “sertão”, isto é, como um “local onde a civilização não chegou”, conforme conceituou o professor Gilmar Arruda em seu texto Cidades e Sertões (EDUSC). Essa primeira imagem do espaço, que mais tarde se fez Brasil, está presente em diferentes escritos de autores portugueses dos anos 500 e todos falam da natureza abundante, generosa e belíssima, terras paradisíacas. Habitar aqui seria viver em alegria. Mais tarde (1836), acolhendo essas leituras de nossas belezas, Gonçalves de Magalhães (1811-1882) publica seu longo poema “Suspiros poéticos e saudades”: Minha alma, Imita a Natureza; Quem vencer pode Sua beleza? Com os primeiros olhares abismados a nossa terra, nasce uma efusão lírica singular. Tudo ali era original e surpreendente, nada a comparar com o além-mar, por isso o espanto e o encanto. Não restou outra imagem a não ser a representação do “Jardim do Éden” bíblico, traduzido pelo historiador francês Jean Delumeau (1923-), em seu “Jardim das Delícias”: “[...] são grandezas que proporcionam a subsistência dos humanos sem que para isso seja necessário trabalhar [...]”. Além disso, acrescenta Delumeau, “[...] os seus ares são de tal modo salutares que permitem aos seus habitantes uma longevidade comparável à dos patriarcas bíblicos [...]”. Essa ideia de “paraíso terreal”, localizado em um Novo Mundo, já está presente em discussões do pensador e teólogo São Tomás de Aquino (1225-1274), que fala de um espaço de imensas grandezas e maravilhas verdadeiramente prodigiosas. Aportar-se nas costas da “Ilha de Vera Cruz” e deparar-se com aquela imensidão onde “não existia propriedade nem autoridade e onde se usufruía de abundância” (Delumeau), ali estava a primeira “Idade da Humanidade”. Os portugueses julgaram ver concretizado, nas novas terras, o mito da “Idade de Ouro”, mundo fantástico onde nada faltaria, como na promessa bíblica (Gn 2,9): “E o Senhor Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores de aspecto atraente e saborosas ao paladar [...]”. No ideário católico, presente na missão portuguesa do descobrimento, estava presente o paraíso inicial, o “Jardim do Éden”, ali onde reina a perfeição, a liberdade, a paz, a felicidade, a abundância, a ausência de coerção, de tensões e de conflitos. A “Nova Terra” ganhou essa feição de paraíso. Na versão de Caminha, em sua carta ao Rei, os homens entendiam-se bem entre si e viviam em estado de harmonia com todo o ambiente em sua volta e facilmente poderiam adequar-se aos princípios cristãos: “Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar”. Essas raízes paradisíacas sustentam nossa sede de justiça, liberdade e igualdade, não que tenhamos de voltar ao mundo inicial dos tempos dos descobrimentos, mas porque ganhamos consciência de um belo paradisíaco de nossas raízes históricas. Beleza ainda possível nesta sociedade tecnológica, de aviões, carros, internet, anestesia e transplantes de órgãos. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 20/08/2018
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