Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Fé Católica na Colônia
 
A esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral, que deixou Portugal em 9 de março de 1500, tinha como finalidade principal a expansão do Império Português no Oriente e no Atlântico Sul e terminou “descobrindo” o Brasil.
A fé católica chega às terras brasileiras nessa esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral.
O primeiro indício, datado de 26-04-1500, está no final da carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manoel I, dando conta do “achamento” das terras brasílicas:
 
O melhor fruto que nela se pode fazer parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
 
Nessa mesma carta ao rei D. Manoel I, o Escrivão registra que neste mesmo dia, 26 de abril, foi celebrada a primeira missa no solo brasileiro pelo Frei Henrique: “[...] que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção”.
Anos depois, a Companhia de Jesus, instituto fundado (1531) por Inácio de Loyola, incluiu o Padre Manoel da Nóbrega (1517-1570) na expedição de Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral do Brasil, que chegou à Bahia em março de 1549.
A Companhia de Jesus espalhou, por todo o mundo, religiosos voltados ao combate contra o movimento protestante, preocupados com o crescimento forte e influente do protestantismo reformista.
O Padre Manoel da Nóbrega chega ao Brasil com essa missão base da Companhia de Jesus — a defesa da fé católica — usando como método a pregação, a pesquisa teológica, a explicação e interpretação da Bíblia.
Como provincial dos jesuítas no Brasil, Nóbrega desenvolveu diferentes ações visando alterar alguns costumes dos índios, tendo mesmo apelado para o apoio do governador-geral Duarte da Costa. O êxito nessa tarefa era pequeno. O governador não atendeu a seu apelo, contrariado com isso, Nóbrega escreveu o “Diálogo sobre a Conversão do Gentio”, que o crítico literário Alfredo Bosi considera “um documento notável pelo equilíbrio com que o sensato jesuíta apresentava os aspectos ‘negativos’ e positivos’ do índio, do ponto de vista da sua abertura à conversão”.
O “Diálogo” começa reconhecendo que os índios “têm alma como nós”, mas logo ressalva que há neles uma ignorância plena “das coisas de nossa fé”. Isso não entristece o Padre Manoel da Nóbrega, ao contrário, ele é estimulado: “Não deixeis de prosseguir adiante, pois uma das obras de misericórdia é ensinar aos ignorantes”.
Pensar desse modo é revelar uma questão de fé. A consciência católica era a de que, com a “queda de Adão” no Paraíso, “todos nós ficamos semelhantes a bestas por natureza corrupta”, afirma Nóbrega, “e nisto todos somos iguais, frios, sem virtude” e devem todos ser submetidos na “forja” da “caridade de Deus”.
Nóbrega, muito cedo, entendeu não existir possibilidade de conversão em massa dos índios: “sem saber sua língua, nem entender-se com eles, como terdes presunção de apóstolo, e pouca confiança e fé em Deus, e pouca caridade, que sejam logo bons cristãos?”.
Sabido é que nos primeiros 30 anos da colonização do Brasil, importava a Portugal unicamente a exploração das riquezas. O historiador Português, Pero Magalhães Gândavo (1540-1579) — esteve no Brasil, provavelmente, entre 1558 e 1572 — observou que, relativamente aos índios aqui encontrados:
 
[...] não tinham as letras “F, nem L, nem R”, não possuindo “Fé, nem Lei, nem Rei” e viviam “desordenadamente” [...].
 
No ideal da colonização de evangelizar e explorar, era preciso superar essas questões da ausência de Fé, Lei e Rei para implementar a ordem. Importa dizer, era necessário desenvolver obediência ao Rei, difundir a Fé e fixar a Lei. Essas atividades de evangelizar e explorar, próprias dos tempos de Gândavo, foram sintetizadas nos versos de Luís Vaz de Camões (1525-1580), autor da épica poesia “Os Lusíadas”, no segundo verso do Canto Primeiro:
 
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aquelas que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
 
O Padre Manoel da Nobrega trazia essa consciência de que as novas terras brasílicas eram “viciosas”, expressão utilizada por Camões. “Terras viciosas”, isto é, lugares que representavam verdadeira ofensa à existência de Deus. Expandir a Fé Católica era um fim necessário, ainda que se promovesse pilhagem aqui, saques ali, invasão mais além. É como se fosse uma recompensa pelos serviços de propagação da Fé.
A Fé Católica se afirmava ainda mais na Colônia com a presença do Padre José de Anchieta (1534-1597), que veio para o Brasil na esquadra que trouxe o governador-geral Duarte da Costa, em 1553. Canonizado santo em 3/4/2014 pelo Papa Francisco, o Padre José de Anchieta teve ampla atuação juntos aos indígenas, logo aprendeu a língua nativa (o tupi) e escreveu o livro Arte de Gramática da Língua Mais usada na Costa do Brasil. Essa preocupação com a língua era de essencial importância para a consolidação do projeto evangelizador dos jesuítas. Era uma barreira a menos para a conversão indígena ao cristianismo.
Mais tarde, o Padre Antônio Vieira (1608-1697) defendeu com eloquência os índios, os novos cristãos, principalmente os judeus. As inúmeras cartas e sermões do Padre Vieira transformaram-se em verdadeiro tratado de filosofia cristã e se constituíram em fundamentos para os passos da Igreja Católica no Brasil:
 
[...] Porque como os Apóstolos iam pregar a todas as nações do Mundo, muitas delas bárbaras e incultas, haviam de achar os homens degenerados em todas as espécies de criaturas: haviam de achar homens, haviam de achar homens brutos, haviam de achar homens troncos, haviam de achar homens pedras. [...]. (Padre Antônio Vieira, Sermão da Sexagésima)
 
A atitude dos jesuítas e de outras ordens missionárias foi dúbia em relação à questão indígena. Se de um lado se posicionaram contra a escravização indígena, por outro confinaram os indígenas nos chamados aldeamentos cristãos, onde, através da catequese, obrigavam esses povos a abandonar seu modo tradicional de vida, suas andanças pela mata, suas lideranças, substituindo suas crenças e cerimônias pelos ritos católicos.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 20/08/2018
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