Fascinação
Houve uma Era do Rádio no Brasil. Tudo começa com a Rádio Roquette Pinto (1923), depois vieram as rádios Sociedade (1924), Clube do Brasil (1925), Mairynk Veiga e Educadora (1926), Nacional (1936) e tantas outras no Brasil a fora. O rádio no Brasil acompanhou de perto todas as mudanças sociais, políticas e econômicas e foi o principal responsável pela difusão de um dos momentos mais encantadores da cultura nacional, Anos Dourados do Rádio Brasileiro, entre as décadas de 1930 a 1950. Programas ao vivo, com auditórios, fizeram surgir nomes até hoje lembrados, a exemplo de Mário Lago, Cauby Peixoto, Emilinha Borba, Sílvio Caldas, Jamelão, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Dorival Caymmi, Vicente Celestino, entre tantos outros. O cantor Carlos Galhardo (1913-1985), conhecido como o Rei da Valsa, foi um desses astros dos Anos Dourados. Galhardo interpretou com maestria a valsa Fascinação (de 1950) de autoria de Fermo Dante Marchetti e Armando Louzada: Os sonhos mais lindos sonhei, De quimeras mil um castelo, ergui, E no teu olhar, tonto de emoção, Com sofreguidão, mil venturas previ... O teu corpo é luz, sedução, Poema divino, cheio de esplendor, Teu sorriso, prende, inebria, entontece, És fascinação, amor! Vivo com o passado, a sonhar Vendo-te, ainda, em meu coração, Mas, tudo, promessas, quimeras, mentiras, Da tua Fascinação. Os anos 50, no Brasil, são considerados uma época de transição entre o período de guerras da primeira metade do século XX e o período das revoluções comportamentais e tecnológicas da segunda metade. É como se as portas do mundo se abrissem para novas possibilidades de esperança, libertando a capacidade psíquica para a arte de amar, bem expresso num dos lemas de 1968: Façam amor e não a guerra. Essa carga utópica, advinda da violência das lutas, faz romper a continuidade histórica que transita para outro mundo onde o lúdico passa a ser a racionalidade que revigora o prazer de viver. A poesia funciona como a insurreição que recusa o desastre social, ao privilegiar sentimentos e emoções individuais, recuperando-se da insanidade coletiva cometida em nome do capitalismo valorizador dos bens materiais, num esquecimento da importância da individualidade que pede o riso e encantamento. Fascinação é a marca de um tempo que afirma o direito de existir com toda a força vital da paixão, levando para planos inferiores a busca da posse de bens, afastando-se da lógica do mercado. Agora vale a vida e seu goso sedimentados em laços de solidariedade, fraternidade e de amizade. Fascinação é o ato de fascinar, atrair, seduzir de maneira irresistível. Fascinar é encantar. Os sonhos mais lindos sonhei, De quimeras mil um castelo, ergui, E no teu olhar, tonto de emoção, Com sofreguidão, mil venturas previ... O que fazem os cancioneiros dos Anos Dourados do Rádio Brasileiro é recompor a possibilidade da alegria, do abraço amigo, do olhar tonto de emoção, distanciando-se da ganância doentia que fizeram acontecer as duas grandes guerras mundiais de 1914 a 1918 e 1939 a 1945. É na contramão desse mundo desnorteado que os Anos Dourados do Rádio Brasileiro propõem o lúdico como salvação da alegria de viver. Se os conflitos mundiais promoveram um vazio ideológico, dissolvendo as utopias, impedindo a realização de esperanças, o lúdico dos Anos Dourados preenche o vazio ofertando algum sentido para viver, como se inaugurando um novo tempo purificado, inocentado, de festa e fascinação, de encantamento, fundamentando-os para a eternidade. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 20/08/2018
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