Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

Poesia e Vida
 
 
Maria das Mercês
Me conta de uma vez
Aonde eu posso ir
Comer acarajé
Dançar samba no pé
E ser feliz
São tantas praias lindas
Coqueiros e colinas
Que Deus fez só pra mim
Ilhéus minha menina
Vem e me ensina
Me ensina a ser feliz.
Gil Oliveira Lucas
 
Este é um dos muitos textos poéticos do ilheense Gil Lucas (1959).
Nesta poesia, Gil Lucas sintetiza o projeto de vida de cada um de nós, ao iluminar, de modo clássico, caminhos e objetivos, percursos que se sustentam na segurança de tempos iniciais — Maria das Mercês — Ilhéus minha menina. Tempos arquétipos, lugar originário, síntese de todo o passado, de onde começamos novo tempo.
É assim a vida. Há um momento inicial já estruturado que acolhe e projeta o sujeito na direção do bom e do belo ou da felicidade, como desejou claramente Gil Lucas: Me ensina a ser feliz.
Na poesia de Gil Lucas, essa felicidade não é um estágio final de um trajeto, não se configura como ponto de parada, ela (a felicidade) se elabora no movimento de busca, no reconhecimento de que as grandezas que dão colorido à vida estão presentes no caminhar. O poeta, em sua esperteza conceitual e na consciência de suas origens, sabe o que quer: Comer acarajé — Dançar samba no pé, e ser feliz. Saber querer é um fundamento importante na vida, porque enxergamos horizontes e os acidentes de percurso.
O poeta percebeu esse horizonte — são tantas praias lindas Coqueiros e colinas. É uma moldura a encantar a cidade, é um desenho a oferecer traços e linhas figurativas de cenários e de acolhimento de desejos. Nessa força de descrever e fazer sentir gosto em viver, a letra da poesia vira canção.
A letra do Poema que era serena, obedecendo ao ritmo da leitura gramatical, a comunicar ideias de espaço e seus contornos, chão positivo onde pisamos, onde vivemos e nos tencionamos. Agora a poesia vira canção a partir da melodia do próprio autor. Canção que explode em alegria a balançar corpos e almas no ritmo dessa harmonia de letra, melodia, acompanhamento instrumental e voz. Livre da lógica do mundo concreto, a Canção ganha subjetividade e se torna sentimento exasperado, provocando nos ouvintes euforias de inquietações, corpo e alma se maravilhando: Maria das Mercês / Me conta de uma vez / Aonde eu posso ir...
É nesse momento que acontece a centelha iluminadora da arte desinteressada. O que parece ser Ilhéus se desfaz e se universaliza. Estamos agora contemplando a beleza, o poder de encantamento dos sons em harmonia, que vai muito além de nosso entorno, ultrapassa fronteiras, dissolve imagens e se torna essência mais íntima do mundo. Não é mais matéria, é expressão virtual do pensamento condensando tempo e espaço numa espécie de voo ao infinito, lá onde moram a alegria e a felicidade.
A poesia agora transformada em canção, ao cantar a alegria e a felicidade, não estaria esquecendo os desencantos tão manifestos no tempo presentes?
A poesia não é um compêndio de sociologia a recitar todas as virtudes e maleficências do social, ela é uma forma de comunicar sentimentos de um poeta que escolhe o que deseja dizer, a forma de dizer, na liberdade de ver e sentir. Nesta poesia, Gil Lucas buscou como tema o encanto da vida e declarou sua vontade de ser feliz. Sua poesia apenas silencia sobre os contratempos e canta a conquista, a vitória de poder conhecer, viver e se deliciar de uma vida de bem-estar, após a peleja não mencionada, mas subentendida, porque viver é lutar, como determinado em Gênesis 3, 19: Comerás o teu pão com o suor do teu rosto. E isso vale também para os poetas.
De fato, a poesia está condicionada às mesmas dimensões temporais de cada um de nós. Submetidos que estamos todos à duração, sofremos desgastes e vezes somos surpreendidos pelo novo que assume predominância, muda costumes, amplia saberes e cria outras perspectivas.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 20/08/2018
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